Título: Infeliz, simplista e equivocada. É o ataque à opinião de Lula sobre juros
Autor: Vânia CristinoJosé Ramos
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2005, Economia, p. B1

Para empresários e políticos, a população não pode ser acusada por algo que é responsabilidade do governo O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu desagradar a empresários e políticos ao atribuir ao suposto comodismo do brasileiro parte da responsabilidade pelos juros altos no País. O presidente disse que a população "é incapaz de levantar o traseiro" e procurar um banco que cobre taxas mais baixas. "Não há um povo no mundo mais criativo e trabalhador que o brasileiro, senão ele não teria sobrevivido. E uma coisa que o brasileiro faz pouco é ficar sentado", rebateu o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Ele afirmou que o atual nível da taxa de juros é nocivo ao País e só serve para indicar pessimismo e inibir os investimentos. "A taxa de juros nesse nível já passou para o campo da irresponsabilidade." Também o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), disse não concordar com Lula. "É muito simplismo jogar para o consumidor a responsabilidade pelo excesso da taxa de juros."

O presidente do Grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter, devolveu a acusação ao governo, "o maior responsável pelo elevado custo do dinheiro no País, porque desequilibra a oferta e a procura". Segundo Gerdau, para sustentar a dívida "o governo drena os recursos do mercado e converte o dinheiro numa mercadoria escassa". Nessa situação, "o tomador tem pouco a fazer".

Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entrou na polêmica. Numa palestra em Curitiba, aproveitou para discordar do diagnóstico de Lula. "O Banco Central é quem dá as regras. Por isso não adianta muito mudar de banco." Ele disse entender que Lula esteja insatisfeito com os juros, mas recomendou olhar para outros lados, como o Banco Central e a política econômica. "Não serei leviano: não é fácil manejar as variáveis num contexto delicado como o do Brasil", disse. E cutucou: "Não quero fazer como o Lula fez tantas vezes comigo, achando que era só falta de vontade política."

A afirmação de Lula também serviu para animar a tarde no Congresso. O líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), condenou a linguagem "chula e equivocada", para depois dizer que Lula deveria "sentar o traseiro para trabalhar e despachar com os ministros". E enfatizou: "Arregace as mangas, presidente, finja pelo menos que está trabalhando". Segundo o senador José Jorge (PFL-PE), o povo vai, sim, levantar o traseiro da cadeira em outubro de 2006 "para livrar-se da enganação construída pelo marketing político em que se transformou seu governo".

O primeiro-vice-presidente da Câmara, deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL), afirmou que Lula "é uma máquina de dizer bobagem, um manancial de lugares-comuns e uma fonte inesgotável de imagens de quarta categoria". O deputado considerou "um insulto ao cidadão que morre no cheque especial". E concluiu: "Cidadão brasileiro, defenda o traseiro, porque é a única coisa que o governo ainda não invadiu".

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) classificou de infeliz a declaração do presidente. "Na realidade, o exemplo de juros tem sido dado pelo governo (federal)", disse Alckmin. Segundo ele, o governo federal deve trabalhar para reduzir a taxa básica de juros, a Selic. "E não passar a responsabilidade para a população", emendou.