Título: Luz amarela!
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

Quando o Federal Reserve (Fed) aumentou, há dez dias, os juros básicos da economia americana para 2,75% ao ano e manifestou preocupação com a inflação, pressionada nos últimos meses pelos preços dos combustíveis e energia, acendeu-se a "luz amarela". Não pelos 2,75% ao ano em si, mas pelo anúncio de que o crescimento da economia e a estabilidade dos preços devem manter-se equilibrados com "ação apropriada de política monetária". Isto é, se necessário, novos aumentos de taxas, e talvez em ritmo mais agressivo, virão nos próximos meses. Tal posição foi suficiente para que alguns analistas de mercado já antecipassem os Fed Funds a 4,5% ao ano em dezembro de 2005, com isso empurrando os títulos norte-americanos de dez anos para algo como 5,5% ou 6% ao ano, bem acima dos atuais 4,6%. Se o pior não acontecer, isto é, se o Fed mantiver sua linha tradicional de ajustes graduais, pois a inflação estaria sob controle, tudo bem. Teríamos de volta a "luz verde", sem maiores pressões externas, e nosso país cresceria entre 3,5% (segundo o Ipea) e 4% (segundo o Banco Central) em 2005, apesar das nossas deficiências e crises políticas em Brasília, agora agravadas pelo efeito Severino.

Entretanto, se o cenário externo se tornar nebuloso, pela necessidade de o Fed ter de agir mais agressivamente na sua política monetária, a volta da "luz verde" ou a ida para a "luz vermelha" dependerão, em grande escala, da nossa capacidade de administrar a economia brasileira e seus gargalos.

Com os juros americanos, representados pelos títulos de dez anos, atingindo níveis de 5,5% ou 6% ao ano, o fluxo de recursos para os países emergentes seria duramente afetado. Nesses níveis de taxas, os investidores deixariam o dinheiro por lá e não precisariam correr riscos de papéis emergentes para ganhar um pouco mais. Tanto é verdade que, antecipando-se a esse eventual cenário, bancos como JP Morgan e Merrill Lynch já emitiram relatórios recomendando aos seus clientes que reduzam suas posições nesses países. O que, embora em pequena escala, já vem acontecendo.

Paralelamente, alguns fundos de Private Equity, em vez de efetuarem investimentos em empresas, estão preferindo aplicar seus dólares em títulos do governo brasileiro em reais para se poderem beneficiar das nossas altas taxas de juros. Pagamos, hoje, algo como 13% reais ao ano (isto é, excluindo a inflação), enquanto a Turquia, a segunda colocada, remunera seus investidores com 6,7% ao ano. As remessas de lucros para o exterior bateram recorde em fevereiro, alcançando a cifra de US$ 1,3 bilhão, a mais alta desde janeiro de 2002.

E para dar mais força à "luz amarela" a vice-diretora gerente do FMI, Anne Krueger, declarou recentemente: "É claro que o Brasil ainda é vulnerável. Qualquer país com uma grande dívida como a brasileira, se acontecer algo que gere choque negativo nos mercados mundiais, será afetado."

Como acabamos de anunciar que o Brasil não renovará o acordo com o FMI e que, agora, segundo o presidente Lula, "temos o direito de andar com nossas próprias pernas", é hora de provar que podemos fazê-lo, e bem.

Temos uma dívida externa próxima dos US$ 190 bilhões. Reservas internacionais acima de US$ 60 bilhões, graças ao espetacular desempenho das nossas exportações, além de boa quantia de "hot money", isto é, dólares de curto prazo internados para se beneficiarem das nossas altas taxas de juros. Teremos de pagar ao FMI US$ 26 bilhões nos próximos três anos, o que demonstra, claramente, que não podemos brincar com o câmbio. Temos de manter nossa moeda competitiva para que o ritmo das exportações não se reduza, pois esses dólares são preciosos.

Assumindo que nosso objetivo seja, mesmo num cenário internacional adverso, termos a "luz verde" de volta, as contas públicas devem merecer cuidados especiais. Não podemos permitir que o ano de 2004 se repita, quando o governo gastou muito mais do que deveria. O aumento das despesas de custeio superou, de longe, a inflação e o quadro de pessoal foi acrescido de 48.182 servidores nas três instâncias de governo - Executivo, Legislativo e Judiciário. Portanto, a promessa do ministro José Dirceu de que "vamos transformar 2005 no ano da eficiência da máquina pública e da redução de gastos" deve ser cumprida.

O conjunto de medidas anunciando a redução do déficit da Previdência em 40% nos próximos dois anos (dos atuais R$ 40 bilhões para R$ 24 bilhões) precisa, urgentemente, sair do papel. Como nossa carga tributária não comporta mais aumentos, e caso tenhamos de elevar o endividamento público para financiar tais déficits, nossa dívida líquida voltaria a atingir níveis considerados de "alto risco". Precisamos trabalhar duro para reduzir a relação dívida pública/PIB dos atuais 51,8% para algo como 40% (e aí passarmos a respirar aliviados), e jamais permitir que volte aos níveis de 2003, quando chegou perto de 59%.

Temos, pois, um grande desafio pela frente. Sem o "guarda-chuva" do FMI, teremos de mostrar que realmente "podemos andar com nossas pernas", controlando gastos, reduzindo déficits, aumentando a eficiência da nossa economia. Como toda crise gera oportunidades, se fizermos o dever de casa, como está sendo prometido pela alta cúpula do governo, poderemos vislumbrar a "luz verde", mesmo que as coisas lá fora não andem muito bem. E aí, sim, poderemos sonhar com um país mais justo, crescendo sustentadamente e com mais e melhores oportunidades de trabalho para o nosso povo. Caso contrário, não quero nem pensar no que pode acontecer.

Alcides Amaral, jornalista,

ex-presidente do Citibank S.A., é autor do livro

Os Limões da Minha Limonada (Editora Cultura). E-mail:

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