Título: Incentivo fiscal não eleva doação
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2005, Economia, p. B20

O uso de incentivos fiscais, por parte das empresas, para destinar contribuições aos Fundos para Infância e Adolescência (FIA) dos municípios é ainda pouco difundido, apesar de garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente desde o início da década de 1990. As empresas tributadas pelo regime de lucro real podem deduzir até 1% de seu Imposto de Renda para esses fundos, administrados pelos municípios, sem ônus. Mas a própria Receita Federal estima que apenas 15% das empresas brasileiras utilizam o dispositivo. Os recursos destinados aos fundos são administrados pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA) das cidades, entidades formadas por representantes da sociedade civil e dos órgãos públicos, que decidem em que projetos vão investir, sempre com foco em questões sociais que envolvem crianças e adolescentes.

De acordo com a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, em 2004 as empresas associadas e que possuem o selo "Empresa Amiga da Criança" (em torno de 1.070) destinaram R$ 19,4 milhões aos fundos. É ainda um valor pequeno, quando comparado ao montante que essas empresas investiram em ações sociais - em torno de R$ 388 milhões no ano passado. Para obter o selo, as associadas da Fundação Abrinq assumem compromissos como erradicar o trabalho infantil.

A pequena adesão aos incentivos fiscais ocorre principalmente por desconhecimento do mecanismo. A Fundação Abrinq tem trabalhado na divulgação do tema, e já conseguiu um aumento no número de empresas contribuintes de 37% em relação a 2003, mas reconhece que há outras limitações - como a falta de motivação, por parte das empresas (em especial as de pequeno e médio portes) de ter que destinar o recurso antes mesmo de fechar seus balanços.

"Como o prazo-limite para as deduções é 30 de dezembro, muitas empresas não fazem simplesmente porque não concluíram seus balanços", diz Rubens Naves, vice-presidente da Fundação Abrinq. "Facilitaria se elas pudessem fazer a dedução do imposto no primeiro trimestre do ano."

O mesmo problema acontece com as doações por parte das pessoas físicas - que podem destinar até 6% do IR - cujos recursos têm de ser destinados no ano-base e só são compensados no ano seguinte.

As empresas também são descrentes em relação à capacidade dos conselhos municipais de aplicar bem os recursos dos fundos. "Na verdade, existe até um certo preconceito em relação aos conselhos, que é vencido quando a empresa pode fiscalizar o destino dos recursos", diz Naves.

A possibilidade de acompanhar mais de perto o destino do dinheiro e ter papel decisivo nos conselhos permite ainda que elas possam articular os projetos escolhidos com seus próprios investimentos sociais privados, potencializando as ações. É o caso da Telefônica, que, por meio de sua fundação, acompanha o encaminhamento dos recursos em 17 municípios de quatro Estados e ajuda na capacitação dos conselhos, fornecendo soluções em tecnologia. A Fundação Telefônica atua na seleção de projetos, inscritos pelos conselhos e ONGs, para receberem os recursos. Entre eles, o programa Medida Legal, que assiste adolescentes de baixa renda que estejam cumprindo pena em regime de liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade. "É uma grande responsabilidade, pois estamos ajudando a gerenciar um recurso público", diz Sérgio Mindlin, presidente da Fundação Telefônica. "Mas é uma maneira efetiva de acompanhar sua aplicação."

No ano passado, o grupo Telefônica implantou um programa-piloto em duas empresas - a Telefônica Empresas e a T-Gestiona - para estimular os cerca de 1,8 mil funcionários a doarem 6% do seu IR para os fundos. A adesão foi pequena, de cerca de 5%, mas para este ano a empresa pretende aumentar a divulgação do programa, para atrair a participação de mais funcionários.

Caminho semelhante é seguido pela siderúrgica Belgo-Mineira para estimular as doações dos funcionários. Desde 1999, a empresa antecipa o pagamento do recurso que o funcionário vai destinar aos fundos. Depois, o funcionário paga à empresa em seis prestações mensais, sem juros. "O mecanismo corrige uma fragilidade da lei, por isso é grande a adesão", diz Leonardo Gloor, gerente de Programas Especiais da Fundação Belgo. No primeiro ano, 200 funcionários aderiram ao programa. Em 2004, já eram 2.160 contribuintes, o que representou um aporte de recursos da ordem de R$ 1,6 milhão, que beneficiaram 18 municípios em que a Belgo possui operações.

Apesar do pequeno porcentual de empresas que aderiram aos incentivos fiscais, a expectativa para este ano é que mais empresas passem a adotar o mecanismo. Em breve será lançada uma campanha de incentivo à dedução, encabeçada pela Fundação Abrinq, em parceria com o Instituto Ethos e a Rede Social. As ONGs querem aproveitar o gancho das novas administrações municipais para fortalecer os conselhos - ainda ausentes em 15% dos municípios brasileiros. A meta é chegar a 80% de empresas contribuintes nos próximos anos.