Título: Nova vitória na OMC
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2005, Notas e Informações, p. A3

N egócios no valor anual de US$ 1,2 bilhão poderão abrir-se para o Brasil e outros produtores eficientes de açúcar, se a União Européia eliminar os subsídios à exportação condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), segundo estimativa divulgada pelo Itamaraty. A condenação da política européia foi confirmada na quinta-feira pelo Órgão de Apelação da OMC, que manteve as principais conclusões do painel que julgou a ação movida pelo Brasil. Com esse resultado, o Brasil acumula duas importantes vitórias contra os subsídios a exportações agrícolas de países do Primeiro Mundo. Na outra ação, o País havia denunciado as subvenções aos produtores e exportadores de algodão dos Estados Unidos.

O governo americano indicou que vai acatar a decisão final dos juízes da OMC, mas ainda não informou como procederá. Os europeus também terão um prazo para responder como se ajustarão às novas condições e enfrentarão, assim como os americanos, um teste político. Sua decisão mostrará se estão dispostos a acatar plenamente as normas internacionais de comércio.

A importância das duas vitórias não se mede apenas pelos ganhos comerciais diretos que possam proporcionar ao Brasil e a outros países, no caso de cumprimento rigoroso das determinações da OMC.

As decisões contra os Estados Unidos e a União Européia são eventos paralelos à Rodada Doha, a maior negociação comercial empreendida até hoje, e são politicamente importantes por mais de uma razão.

Em primeiro lugar, servem para ressaltar a importância da plena integração da agricultura ao sistema de regras da OMC. Este ponto foi assinalado em nota distribuída pelo Itamaraty. A inserção da agricultura no sistema de regras começou na Rodada Uruguai, encerrada em 1994, mas ficou incompleta. Nem mesmo o limitado acordo resultante daquela rodada foi respeitado pelas grandes potências. Nos processos contra Estados Unidos e União Européia, o Brasil demonstrou violações àquele acordo.

Em segundo lugar, as duas decisões ajudam a limpar o terreno das negociações em curso na Rodada Doha. As grandes potências poderão continuar barganhando mudanças em suas políticas para a agricultura, mas é razoável supor que ninguém precise negociar a eliminação de subsídios já declarados ilegais.

Em terceiro lugar, a condenação de duas superpotências econômicas evidencia, mais uma vez, a conveniência de fortalecer a OMC. Só um sistema multilateral pode atenuar as enormes desigualdades de poder no comércio internacional. Essas desigualdades são muito mais sensíveis e muito mais difíceis de atenuar quando se trata de acordos bilaterais ou regionais.

As negociações na OMC podem produzir resultados bem mais eqüitativos. Estão envolvidos, neste momento, 148 países membros. Há divergências tanto entre países com diferentes graus de desenvolvimento quanto no interior dos mesmos grupos. Cada país pode participar de várias composições de interesses e, além disso, os países em desenvolvimento estão muito mais atuantes do que estiveram em rodadas anteriores.

Mas a eficácia do sistema de normas ainda é limitada. Grandes países podem recusar-se a adotar as decisões dos órgãos de julgamento, sujeitando-se, nesse caso, a retaliações. A aplicação de retaliações, no entanto, é descentralizada. Nesse momento, a desigualdade entre as partes volta a mover os braços da balança. Será preciso cuidar dessa questão, para que o sistema se torne tão eqüitativo quanto pode ser.

A decisão a favor do Brasil, no caso do açúcar, pode contrariar interesses de países que vendem o produto à União Européia em condições favorecidas. São, além da Índia, os países do grupo ACP (Ásia, Caribe e Pacífico) que até recentemente foram colônias da Europa. Os europeus compram esse açúcar e o reexportam com subsídios. A União Européia tentou mobilizá-los contra o Brasil, mas isso não afetou o resultado do julgamento. Esse detalhe pode ilustrar claramente as divergências de interesses que separam também as economias em desenvolvimento e que se refletem nas negociações da Rodada Doha.