Título: O Copom Severino
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2005, Economia, p. B2

Depois que o presidente Lula recomendou que o brasileiro movimentasse o traseiro para derrubar os juros, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, e o vice-presidente da República, José Alencar, sentiram-se à vontade para destampar seu próprio quinhão de bobagens. Eles estão pregando o controle político ou social - isso não ficou claro - sobre o fole monetário, o sistema que regula as emissões de moeda. Também não ficou claro o que eles querem, na prática: se à mesa do Copom tenham assento outros representantes da sociedade, como empresários, economistas e sindicalistas; ou se a uma espécie de câmara setorial à parte seja conferido mandato institucional para conter eventuais excessos de zelo do Copom.

A idéia não deixa de ter alguma relação com o que chegou a propor no ano passado o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Ele sugeriu, então, que fosse criada a "autoridade produtiva", constituída de empresários e gente entendida em produção, que se contrapusesse à "autoridade monetária" do Banco Central, para garantir mais realismo às decisões.

Propostas desse tipo pretendem criar jabuticaba, aquilo que só existe no Brasil, e isso já seria motivo suficiente para levantar suspeitas. Mas, antes, é preciso desfazer algumas confusões.

A primeira é achar que o nível dos juros não tem relação com o volume de moeda. O tamanho dos juros não é altura do trampolim, que não tem a ver com o nível de água na piscina. É resultado do volume de dinheiro: se há muito dinheiro, os juros são baixos; se há pouco, os juros são altos. Regular o nível dos juros implica controlar o instituto de emissão de moeda.

Deixar a maquineta das emissões sob controle de políticos (que querem votos), homens de negócio (que querem lucro) ou sindicalistas (que querem emprego e salário) é confiar cirurgia do cérebro a marceneiros e encanadores, por mais competentes que sejam no seu ofício.

Outra confusão envolve a natureza dos juros. Uma coisa é o tamanho dos juros cobrados por bancos, financeiras e pelo comércio, nas operações de financiamento e crédito; e outra, os juros básicos da economia (Selic). O presidente Lula e os empresários reclamam do custo financeiro para o tomador de crédito, que é mesmo escorchante. São de 218,3% ao ano no cartão de crédito; de 158,0% ao ano no cheque especial; de 102,8% nas compras parceladas "sem juros" no comércio. Esses juros quase nada têm a ver com os juros do Copom. Haveria pouca diferença aí se o Copom derrubasse a Selic a 10% ao ano. Esse nível asfixiante dos juros tem um punhado de causas. As duas mais importantes são a dívida enorme do setor público (é o governo gastando demais) e o comportamento cartelizado dos bancos. Se o objetivo é derrubar esses juros, de nada adiantaria interferir nas decisões do Copom.

Mas há uma terceira confusão: entre o que é política de metas de inflação e a atuação do Copom. Muita gente critica a atual política de juros "porque não funciona": os juros sobem, mas a inflação não baixa. A partir daí acha que é preciso botar lá no meio gente esclarecida que diga aos obtusos do Copom que não adianta apertar pescoço de decapitado.

O Copom cumpre determinação de lei: calibrar o nível do dinheiro (e dos juros) para empurrar a inflação para dentro da meta definida, não pelo Banco Central, mas pelo governo. Se não fizerem isso, os membros do Copom cometerão crime de responsabilidade.

O que vale questionar é se a política de metas funciona. No Brasil talvez funcione menos do que deveria porque há essa dívida pública colossal, metade da qual tem de ser refinanciada todos os dias, com a Selic. Nesse caso, o problema é a dívida e não a política de metas. E, se a política de metas não serve, então é preciso colocar alguma coisa melhor no lugar. E isso nada tem a ver com a atual composição do Copom.