Título: Uma limpeza na PF
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2005, Notas & Informações, p. A3

Os resultados da correição feita durante seis meses na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, por uma equipe comandada pelo chefe da Coordenação-Geral de Correições da PF, são de arrepiar os cabelos. Foram examinados 10.570 inquéritos feitos entre 1997 e 2004 e encontradas falhas em 70% deles, sendo que em 30% há fortes indícios de dolo. Ou seja, a incompetência e a desídia são regra geral e a corrupção - no órgão que deveria combatê-la - não constitui exceção. Foram abertas 30 sindicâncias para apurar irregularidades graves cometidas por delegados e escrivães. Uma das irregularidades mais freqüentes era o desvio de mercadorias apreendidas, principalmente equipamentos eletrônicos. Parte dos lotes retidos não tinha autos de apreensão e não era, portanto, enviada à Receita Federal. O butim era dividido entre policiais desonestos, estimando-se que essa prática lhes rendia cerca de R$ 1,5 milhão por ano.

A escassez de material e pessoal, bem como o descumprimento de procedimentos de rotina, explicam parcialmente outro tipo de irregularidade muito freqüente, encontrado pelos corregedores: os inquéritos eivados de falhas formais. Mas essas irregularidades também podem caracterizar dolo. Inquéritos malfeitos, enviados precocemente à Justiça ou, ao contrário, conduzidos morosamente - há casos de investigações que duraram mais de oito anos, sem que fossem concluídas -, são maneiras eficientes de induzir os juízes a absolver réus, por insuficiência de provas ou decurso de prazos.

A correição também constatou a existência de mais de 4 mil notícias-crime sem que fossem instauradas investigações. Isso significa que chegaram à Polícia Federal denúncias de delitos que foram simplesmente engavetadas, sem que ao menos se apurasse a pertinência da denúncia. Essa, aliás, é uma das falhas mais escandalosas do sistema processual brasileiro: as autoridades policiais, tendo um enorme poder discricionário para transformar notícias-crime ou boletins de ocorrência em inquéritos, na verdade determinam o que irá ao exame da Justiça. Mal-usada, essa prerrogativa pode garantir a impunidade de criminosos.

A correição feita na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo foi a primeira de uma série que a direção do órgão fará em todo o País. Deu-se prioridade a São Paulo porque, em 2003 e 2004, houve uma seqüência de denúncias contra delegados lotados no Estado. A desconfiança da direção-geral da Polícia Federal em relação à representação em São Paulo foi tal que as operações que tinham de ser feitas aqui eram montadas por agentes vindos de Brasília, sem o conhecimento dos policiais locais, para evitar quebra de sigilo. O afastamento do então superintendente regional, Francisco Baltazar da Silva, amigo pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desanuviou o ambiente pesado que havia em São Paulo, onde agentes honestos reclamavam de discriminação no trabalho.

O trabalho da equipe de 94 policiais vindos de outros Estados, que escrutinou os inquéritos e procedimentos instaurados em São Paulo entre 1997 e 2004, não terminou. Numa segunda etapa, serão objeto de correição os trabalhos feitos pela Polícia Federal no interior do Estado. Depois disso, a Coordenação-Geral de Correições fará devassas no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, Estados também considerados problemáticos.

O presidente da Federação Nacional dos Delegados Federais, Armando Coelho Neto, que trabalha na superintendência de São Paulo, afirma que os resultados da correição "não refletem o momento atual do órgão, mas erros acumulados no passado". É o que se espera. Há dez anos não se fazia uma correição extraordinária em São Paulo. Nesse período, nomeações "políticas" para postos-chave da Polícia Federal contribuíram para corroer moralmente o órgão, fazendo aflorar a "banda podre" responsável pelos crimes e irregularidades apurados durante a devassa.

O governo federal está empenhado em ampliar os quadros de pessoal e em equipar adequadamente a Polícia Federal, que há anos não conta com meios suficientes para cumprir sua missão de combater os crimes federais, entre eles o contrabando, o narcotráfico e o crime organizado. É preciso, portanto, limpar a organização dos policiais ineptos e desonestos que, como salientou o relatório da comissão de correição, maculam a imagem da corporação.