Título: Real forte, exportações fortes
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2005, Economia, p. B2

A valorização excessiva do real pode continuar sendo indesejada por um punhado de razões: porque aumenta em reais as dívidas em moeda estrangeira; porque estimula as importações e, nesse sentido, tende a tirar emprego aqui dentro; e porque atiça mais viagens para o exterior do que para dentro do País.

Nenhum desses argumentos foi tão repetido como o dos exportadores. Desde que o dólar veio deslizando dos tais R$ 4 de setembro de 2002, eles não param de advertir para a ameaça de colapso das contas externas.

Desde novembro o dólar está abaixo dos R$ 2,80 e, no entanto, as importações seguem crescendo, mas as exportações crescem mais. Em volume, no primeiro trimestre deste ano, foram 25,7% mais altas do que em igual período de 2004 e, na média por dia útil, 27,8%. As importações cresceram respectivamente 21,2% e 23,2%.

Mais surpreendente ainda é o que acontece com os despachos de manufaturados, 53,4% do total exportado. Esse segmento é o mais sensível à valorização do real na medida em que encarece em dólares o produto cujos custos são contabilizados em reais. E, no entanto, também no primeiro trimestre, a exportação de manufaturados cresceu 39,7% (pela média diária).

Ao final do ano passado e início deste, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, insistia em avisar sobre o perigo de um dólar barato demais. Pedia mais agressividade na formação de reservas para que o aumento da demanda pudesse puxar as cotações. Ele também reivindicava mais prazo para os exportadores liquidarem seus contratos de câmbio. Assim, uma redução da oferta de moeda estrangeira poderia conter o mergulho do dólar.

O Banco Central fez o que Furlan pedira, mas as cotações continuam com tendência à baixa. Bastou que as compras de moeda estrangeira fossem temporariamente suspensas para que o dólar voltasse a recuar. E, no entanto, o fluxo das exportações continuou robusto no primeiro dia útil de abril, quando o superávit atingiu US$ 293 milhões. Ontem Furlan reconhecia que o câmbio adverso estava prejudicando "apenas setorialmente, e não globalmente, as exportações".

De todo modo, quando os argumentos convencionais são desmentidos pelos fatos, é preciso perguntar por que as exportações seguem tão fortes apesar da valorização do real diante do dólar?

Não há uma única resposta convincente. Ontem, Furlan admitia que os produtos de exportação que levam forte componente importado tiveram um custo de produção mais baixo porque essa importação ficou mais barata em reais. Se, por exemplo, cerca de 85% dos componentes dos aviões da Embraer são importados, como turbinas, asas, cabine de comando, aviônicos (eletrônica) e empenagem traseira (cauda), a importação mais barata desses itens em conseqüência da redução das cotações do dólar ajudou a neutralizar o impacto do encarecimento dos itens de exportação.

Outra hipótese, já mencionada nesta coluna, é a de que tanto o exportador como o importador estão complementando seu faturamento com ganhos extras no mercado financeiro interno. O exportador converte seus dólares em reais tão logo fecha o contrato de exportação e os aplica no mercado financeiro interno, no qual os juros são generosos. O importador pega financiamento externo de prazo longo e juros baixos, vende internamente a mercadoria importada e aplica o resultado no mercado financeiro.

Outros dizem que finalmente se firmou uma mentalidade exportadora que levou o empresário brasileiro a investir em tecnologia e a ganhar em produtividade, a ponto de depender menos de câmbio favorável.

Ontem, o jornal Valor publicava conclusão de estudo da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), segundo a qual, em alguns segmentos onde o aço entra com peso relativamente alto, o exportador vem conseguindo impor reajuste de preços em dólares.

Por falta ou não de uma explicação conclusiva, a verdade é que os próprios exportadores deixaram de insistir em que o desastre está próximo.

ming@estado.com.br