Título: O coronel que desafiou a banda podre
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2005, Metrópole, p. C1

"O coronel Lopes não passa de sexta-feira." Segundo o próprio tenente-coronel Paulo César Lopes, de 51 anos, comandante do 15.º Batalhão da Polícia Militar em Duque de Caxias, cidade mais populosa da Baixada Fluminense, 1 milhão de habitantes estimados, a ameaça chegou, via rádio, anteontem. Foi uma das várias dos últimos dias. Começaram a ficar explícitas no dia 30, quando dois cadáveres foram deixados numa rua ao lado do quartel. A cabeça de um deles foi atirada dentro da unidade. Lopes foi acordado em casa, às 5 da manhã. Mandou avisar a delegacia, ordenou a retirada rápida dos corpos - "para evitar o escândalo da mídia" -, mas perdeu o resto do sono com pensamentos obscuros: "Por que pegar duas pessoas, matar e jogar aqui? Por quê?" No dia seguinte, em telefonema anônimo que ele afirma já ter sido identificado, uma voz disse que a próxima cabeça a ser degolada seria a de um policial. "Estou sendo alvo de um ataque maciço, mas não tenho medo."

As 2 vítimas daquela noite seriam 30 no dia 1.º, na chacina em Nova Iguaçu e Queimados. Lopes acredita, como toda a cúpula da polícia do Rio, que foi uma represália de maus policiais à linha-dura que adotou no 15.º BPM - efetivo de 430 mil policiais e 37 veículos, um terço do necessário, com salários brutos de R$ 1 mil a R$ 6 mil. Do 15.º, nove policiais são suspeitos de envolvimento com a matança. Estão presos.

Assumiu o comando em 27 de julho, substituindo os tenentes-coronéis Iran Araújo, comandante, e Jaime Teodoro dos Santos, subcomandante. Dias antes, o Fantástico, da TV Globo, tinha divulgado reportagem mostrando corrupção no 15.º BPM. "Mandei embora muitos oficiais corruptos."

Carioca de família pobre, começou a trabalhar aos 17, como operário de construção. Formou-se oficial na época da ditadura. Recusa-se a responder se era contra ou a favor da ditadura, mas, pelo jeitão, tem tudo para ter sido muito a favor. Sua trajetória inclui cinco anos como oficial de Batalhão de Choque e oito na corregedoria, de 1992 a 2000. Foi relator, chefe de seção de Justiça e Disciplina, revisor e subcorregedor. Seu último posto antes do 15.º foi o de subcomandante de um Batalhão de Choque.

Com 32 anos na PM, a linha do coronel é curta e grossa: existem as leis e os regulamentos, eles têm de ser obedecidos e ponto. O BPM tem feito, em média, 40 prisões mensais. O número de armas apreendidas aumentou. No momento, dez policiais estão presos dentro da unidade - a maioria por questões administrativas.

Não é incomum ele próprio comandar operações contra maus policiais. Foi o caso, recente, da prisão de dois soldados que furtaram pneus de um caminhão que apreenderam, deixando-os numa borracharia. O coronel foi lá, apresentou-se como um militar qualquer e disse que tinha ido buscar a carga. Os dois estão presos e respondem a processo. Na estimativa de seu subcomandante, major Márcio Oliveira Rocha, 10% do efetivo já foi punido desde que ambos chegaram lá, ninguém por ligação com o crime organizado.

Os métodos linha-dura de Lopes já foram chamados de "insanos" pelo deputado estadual Marcos Abrahão (PRTB), que o acusa de cometer "atrocidades" no 15.º BPM. A deputada Andréia Zito (PSDB) já quis até criar uma comissão especial para apurar denúncias de abuso de autoridade, parte delas feitas por parentes de subordinados do coronel. "Eu apenas cumpro a lei", diz ele. "Polícia sem controle é bando."

O Estado o entrevistou em sua sala anteontem. Evangélico dos empedernidos, com duas Bíblias na mesa, tem estilo e não se importa de mostrá-lo. No início da entrevista, questionou um subordinado sobre a recusa em escolher um certo cabo Lira para determinada tarefa. O subordinado, vendo outras pessoas na sala, disse que daria explicação reservadamente. "Pode falar aqui mesmo", ordenou Lopes. O boca-mole disse, então, que o cabo Lira estava envolvido com "o problema das Kombis". "Vou mandar embora", disse o coronel. O "problema das Kombis" está ali desde que ele chegou: é parte do transporte alternativo de Duque de Caxias, e da Baixada como um todo, envolvida com maus policiais. Se culpa tiver, Lira, no caso, passou incólume esse tempo todo.