Título: Lula diz que governo não quer só juro alto contra a inflação
Autor: Vera Rosa Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2005, Nacional, p. A4

Ele admite que o governo estuda outros instrumentos para controlar escalada de preços. Mas descarta "pirotecnias" Em sua primeira entrevista coletiva após 2 anos e 4 meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escondeu ontem a insatisfação com as altas taxas de juros e admitiu que o governo estuda outros instrumentos para controlar a inflação. Três dias depois de causar polêmica ao criticar o comodismo do brasileiro, que disse ser incapaz de "levantar o traseiro" da cadeira para procurar um banco com juros mais baixos, Lula fez segredo sobre as novas medidas. Afirmou, porém, que não permitirá "pirotecnias" por causa da proximidade de 2006, um ano eleitoral, nem iniciativas que ponham em risco o modelo econômico. No Salão Oeste do Palácio do Planalto, onde pela primeira vez respondeu a 14 perguntas de repórteres de vários veículos de comunicação, Lula também fez autocrítica. "Um erro é a gente ainda não ter feito com que os juros não sejam o único padrão de controle da inflação", observou, quando indagado sobre os três maiores erros do governo. Depois de dizer que "é difícil reconhecer um erro num governo que acerta tanto", ele apontou outros dois "defeitos": falta de investimentos em rodovias e de "participação maior"do governo para impedir a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) à presidência da Câmara.

Mesmo com críticas de todos os lados, endossadas até pelo líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), Lula reafirmou a importância de manter a meta de inflação em 5,1%. "Quando digo que o governo tem de fazer a sua parte é porque é muito cômodo eu ficar dizendo que o culpado é o Meirelles (Henrique Meirelles, presidente do Banco Central). O culpado somos nós, que definimos a meta", insistiu. "Eu, cada vez mais, vou querer uma meta de inflação que possa colocar o Brasil no patamar dos países desenvolvidos. Na hora em que colocar a inflação no patamar dos países desenvolvidos, certamente vamos colocar os juros também."

Em 1 hora e 20 minutos de entrevista, o presidente destacou que fará de tudo para impedir a volta da inflação em dois dígitos. Mais: que não permitirá que a "leviandade dos discursos falsos de alguns", às vésperas de ano eleitoral, ponha em risco o que foi construído "a duras penas". "Possivelmente, se tivesse 30 anos, adoraria uma pirotecnia, mas, aos 59 anos, de barba e cabelo branco, prefiro fazer as coisas com o melhor senso possível", afirmou Lula, que será candidato à reeleição.

Bem-humorado em toda a entrevista, ele só mostrou irritação uma vez. Foi quando um repórter perguntou se dormia bem, pois, embora eleito com a tarefa de melhorar a vida da população, comprometia quase todo o orçamento para pagar dívidas. Lula chegou a ficar vermelho. "Eu não tenho varinha mágica", reagiu. "Lamentavelmente não tenho, mas espero que na outra encarnação eu tenha, para poder, com um toque de mágica, melhorar, fazer com que todo mundo ganhe muito dinheiro."

Lula garantiu ao jornalista que dorme com a cabeça tranqüila. Em Roma, disse que é um homem sem pecados. No Planalto, ontem, seguiu na mesma toada: "Durmo o sono dos justos todo santo dia."