Título: Desvio de verba prejudica pacientes
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2005, Vida&, p. A26

No ano passado, R$ 190 milhões que deveriam ser gastos em manutenção dos hospitais federais foram usados para pagar servidores Em 2004, R$ 190 milhões do Sistema Único de Saúde (SUS) que deveriam ter sido gastos em custeio e manutenção dos hospitais federais universitários do País foram destinados, indevidamente, ao pagamento de pessoal terceirizado. Embora a Constituição estabeleça o concurso como meio obrigatório para ingresso no serviço público, 11 mil médicos e enfermeiros, contratados por fundações e cooperativas, trabalham nas 45 unidades distribuídas pelo Brasil - com exceção do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. "O pessoal da atividade de um serviço público, ou seja, médicos e enfermeiros no caso dos hospitais, tem de ser contratado via concurso público. Mas, como ficamos mais de oito anos sem lançar editais, a saída foi usar o dinheiro do SUS. É algo inconstitucional e prejudica o atendimento, pois os recursos que poderiam ser utilizados nessa área são, em parte, desviados para o pagamento de funcionários", alerta o presidente da Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino (Abrahue), Amâncio Paulino de Carvalho. Segundo ele, as unidades são subordinadas ao MEC, que paga os servidores, e recebe verbas para custeio e manutenção do Ministério da Saúde.

Também diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Carvalho deve enfrentar problemas no mês que vem, quando se encerra o terceiro prazo dado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para que a unidade dispense cerca de 800 profissionais terceirizados. Dos R$ 34 milhões encaminhados, no ano passado, pelo SUS, R$ 10 milhões foram gastos para pagar a folha dos terceirizados."É um problema que atinge o Brasil todo, não só o nosso hospital. Não podemos dispensar o pessoal sem ter quem colocar no lugar", observa.

A falta de concurso público, ressalta Carvalho, colabora significativamente para o crescimento da dívida dos hospitais universitários com os fornecedores, que aumentou mais de 15% entre 2003 e o ano passado: subiu de R$ 320 milhões para R$ 370 milhões.

Atualmente, para quitar o débito, as unidades precisam passar seis meses sem gastar um centavo. "Os hospitais receberam, no ano passado, R$ 650 milhões do SUS. E a dívida é de R$ 380 milhões, ou seja, corresponde a mais de seis meses de fornecimento", salienta.

Secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Nelson Maculan admite o problema, destaca que ele é crônico e diz que o governo federal está empenhado em resolvê-lo. "Nos próximos dias, vamos ter uma reunião com o pessoal do TCU. Estamos em negociação. Há um trabalho interessante sendo feito. E é bom lembrar que isso ocorreu há 14 anos, desde a época em que fui reitor da UFRJ", afirma, acrescentando já ter conseguido uma aprovação verbal para a realização de mais um concurso público, que deve sair ainda no primeiro semestre.

Porém, ainda que o novo edital seja publicado no prazo previsto, o atendimento aos pacientes dos hospitais federais universitários permanecerá prejudicado, já que o próximo concurso, se aprovado, será para o preenchimento de mais de 2 mil vagas, apenas 20% do total necessário para atender à demanda. "Não podemos fazer um concurso para 11 mil pessoas de uma vez só. O nosso pedido foi para 11 mil, mas há um controle muito forte, o governo tem suas prioridades. Vamos responder a todos paulatinamente", argumenta.

O Ministério da Saúde informou que no ano passado criou uma política de reestruturação dos hospitais de ensino, possibilitando um aumento de 66% no total de recursos repassados para as unidades. Com isso, espera que as dívidas com os fornecedores possam ser reduzidas. Apesar das dificuldades, Carvalho anunciou ontem a abertura de mais 24 leitos de internação para a área de clínica médica e aids no Hospital Clementino Fraga Filho.