Título: PT começa hoje a ajustar seu programa à realidade da era Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2005, Nacional, p. A4

A nova polêmica no PT começa a tomar forma hoje. Em reunião do campo majoritário - grupo que reúne as alas moderadas do partido -, os petistas vão se debruçar sobre um documento intitulado Bases de um Projeto para o Brasil. É, na prática, o primeiro passo para a revisão do programa do PT, em dezembro, como antecipou o Estado. O texto ainda incorpora a defesa de valores da macroeconomia, mas foi amenizado ontem à tarde. Mudanças de última hora feitas pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, aumentaram o tom crítico em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso e reforçaram no texto o papel do Estado como planejador. O equilíbrio fiscal e a estabilidade econômica agora são apresentados como "pressupostos para o desenvolvimento".

Mesmo com roupagem mais branda, o documento que os petistas analisarão hoje a amanhã no Rio representa uma inflexão no partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em conversas reservadas, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, definiu o primeiro texto, sem emendas, como "ousado". Dirceu, Palocci e o presidente do PT, José Genoino, serão os expositores das idéias no encontro do Rio.

Com 46 páginas, a proposta dos moderados para o 13.º Encontro Nacional do PT - marcado para os dias 2, 3 e 4 de dezembro - defende com todas as letras as medidas adotadas por Palocci na economia, mas também prega a construção de um novo modelo de desenvolvimento. Trata o rigoroso ajuste como equilíbrio fiscal. O termo superávit primário (economia de gastos para pagamento dos juros da dívida) sumiu do texto.

O calhamaço é recheado de justificativas para todos os remédios amargos receitados. "O equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio para atingirmos os nossos objetivos de crescimento", diz Genoino, repetindo raciocínio da Carta ao Povo Brasileiro, que na campanha de Lula em 2002 tranqüilizou o mercado e os investidores com promessas de manutenção do superávit e controle das contas públicas. "Só que não tocamos a política econômica no piloto automático", ressalva ele. A autonomia do Banco Central, pregada por Palocci, nunca constou do roteiro original porque enfrenta muita resistência no partido, até entre os moderados. "O eixo da nossa análise é o desenvolvimento", insiste o presidente do PT.

MUDANÇAS

Com quase 70% das 81 cadeiras da direção petista, o campo majoritário argumenta que as mudanças fazem parte de um "processo". Nesta parte, a proposta para debate interno lembra que nos 2 anos e 3 meses do governo petista muita coisa mudou no Brasil. Na lista dos resultados comemorados estão o recorde nas exportações, que ultrapassaram US$ 100 bilhões, o aumento dos empregos com carteira assinada e o programa de crédito bancário para a população de baixa renda.

O documento, que passa hoje pelo crivo das facções moderadas, pode receber contribuições até maio. No dia 21, a tese do campo majoritário - com as propostas para os novos rumos do partido - será inscrita, com a chapa liderada por Genoino, que vai concorrer ao segundo mandato na presidência do PT.

Corrente de Lula tem quase 70% das cadeiras do diretório

ENCONTRO: O campo majoritário do PT abriga os principais dirigentes do partido e ministros. É a corrente do presidente Lula e tem quase 70% das 81 cadeiras do diretório nacional. A reunião convocada para hoje e amanhã, no Rio, vai aprovar o esboço da tese que os moderados apresentarão no chamado "processo de eleição direta" no PT, com o voto dos filiados. A eleição, em setembro, renovará as direções municipais, estaduais e nacional. A ala light apresentará José Genoino como candidato à reeleição para o biênio 2006-2008. As facções radicais também estão fechando suas propostas e os nomes de seus candidatos. A chapa que ganha a eleição também vence a disputa pelos rumos do PT com sua tese. O documento transforma-se então na tese-guia do Encontro Nacional, em dezembro.

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