Título: As milícias de Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2005, Notas & Informações, p. A3

Há pouco mais de um mês, quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi às compras no mercado internacional de armas, causou estranheza o fato de ele adquirir, além de aviões de patrulha e de transporte, helicópteros e corvetas, nada menos de 100 mil fuzis russos Kalashnikov. Agora já se pode prever um de seus usos ¿ nas Unidades de Defesa Populares a que deverão se incorporar compulsoriamente algo como 1,5 milhão de pessoas, conforme o projeto encaminhado ao Congresso de ampla maioria chavista, que pretende colocar na reserva todos os venezuelanos entre 18 e 50 anos.

Com isso, o coronel que desde 1998 governa o seu país autocraticamente, preservando a fachada das instituições democráticas e do estado de direito, dá mais um passo para a fidelização da Venezuela, constituindo uma bem equipada, treinada e leal milícia ¿bolivariana¿ em paralelo às Forças Armadas regulares.

A inspiração para esse novo bote do maior admirador mundial de Fidel Castro vem, obviamente, de Cuba.

As Unidades de Defesa serão a réplica venezuelana dos infames Comitês de Defesa da Revolução, os inspetores de quarteirão que espionam os cubanos casa a casa.

É decerto o que fará o grupo de chavistas que já formou em um bairro de Caracas a primeira de tais unidades.

Só falta adestrá-los no manejo dos fuzis russos.

Essa versão da Guarda Republicana Iraquiana, o exército privado de Saddam Hussein, ¿defenderá, junto ao povo, a soberania e a grandeza desta terra¿, diz o coronel, deixando transparecer o caráter intimidatório da nova organização armada.

Mas a sua criação não quer dizer que Chávez deixou de ter o controle pessoal sobre as Forças Armadas.

É, nesse sentido, um investimento para o futuro ¿ além de 2007, quando em tese deveria terminar o seu mandato.

Juntamente com as Três Armas, o autoproclamado revolucionário ¿socialista¿ controla, também pessoalmente, a mídia estatal e a estatal do petróleo.

A oposição, desde a sua derrota no plebiscito de agosto passado que conseguiu convocar, superando incontáveis obstáculos, para tirá-lo do governo, praticamente deixou de existir.

Com o campo livre, ele atacou em diversas frentes a fim de calar por antecipação qualquer dissidência, eternizar-se no poder e cubanizar a Venezuela.

Escolheu como seus alvos imediatos a liberdade de expressão e a autonomia do sistema educacional.

Para a imprensa, baixou uma lei de ¿responsabilidade social¿ pela qual o governo pode revogar concessões de emissoras que difundirem informações ¿contrárias à segurança nacional¿.

Os protestos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de nada serviram.

Recentemente, dois apresentadores de TV foram demitidos por criticar Chávez.

E um ex-ministro cumpre pena de 5 anos de prisão por ter feito o mesmo no ar.

Essa, aliás, é a pena máxima prevista no Código Penal que aguarda a assinatura de Chávez para os acusados de disseminar ¿falsas informações¿ com a intenção de ¿criar pânico¿.

Tipicamente, o ministro da Informação, Andrés Izarra, acusou correspondentes estrangeiros de estarem a soldo do Departamento de Estado americano.

Solicitado a mostrar as provas dos pagamentos, admitiu não tê-las, mas observou: ¿Não se surpreendam se acharmos os documentos.

¿ Segundo a revista Economist, de Londres, ¿fosse ele um jornalista de oposição, tais palavras o levariam à cadeia por difamação¿.

Com a mídia induzida à autocensura, Chávez achou que era hora de amordaçar o ensino.

Exumou um projeto de reforma que, ao ser apresentado em 2001, levou muitos venezuelanos a protestar nas ruas.

O esquema é abertamente intervencionista.

Dá ao governo o poder de determinar os orçamentos e o planejamento das atividades universitárias.

À semelhança das Unidades de Defesa Populares, cria um sistema educacional paralelo ¿ as missiones, também inspiradas no castrismo.

Elas arregimentarão todos quantos queiram chegar à universidade por esse atalho infalível.

Não é difícil imaginar o que se ensinará nessas missões.

Outro golpe para apressar o que Chávez chama ¿resultados revolucionários rápidos¿ é o da nomeação de professores temporários, cujas chances de conseguir a estabilidade dependerão seguramente de suas afinidades com a ideologia oficial.

As escolas particulares também estão na mira do chavismo.

Essa é a ¿democracia¿ legitimada pelo plebiscito de 2004.

Pobre Venezuela.