Título: A reforma da PF
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2005, Notas & Informações, p. A3

O anteprojeto da Lei Orgânica da Polícia Federal, em regime de consulta pública no Ministério da Justiça, já recebeu mais de 260 sugestões.

Nenhuma delas ajuda o governo a romper um impasse que ele próprio criou ao elaborar duas versões do anteprojeto: uma, mantendo as atuais carreiras da Polícia Federal; a outra, criando o que se chamou de carreira única.

Se depender dos funcionários de alta hierarquia, as carreiras não serão modificadas.

Se a escolha for feita com base na opinião da maioria dos funcionários, cria-se a carreira única.

A maneira como a questão foi posta evidenciaria apenas um dissídio de natureza corporativa.

Mas isso é falso.

A escolha entre as carreiras múltiplas e a carreira única muda toda a estrutura funcional da Polícia Federal.

Não é, portanto, uma questão neutra e só o excessivo poder que os sindicatos e associações de funcionários da Polícia Federal adquiriram nos últimos anos explica que o Ministério da Justiça não tenha se decidido pela fórmula que melhor atenderia às necessidades de serviço.

Hoje, a carreira policial federal está estruturada em torno das carreiras de delegado, de perito criminal, de agente de polícia e de perito papiloscopista.

Para o ingresso a cada uma delas há um concurso público específico e as carreiras não se intercomunicam.

Um agente policial, por exemplo, só chega a delegado se prestar novo concurso público, disputando uma vaga em igualdade de condições com candidatos recém-saídos da faculdade.

Já na carreira única ¿ para policiais e para peritos ¿, a ascensão profissional se faz por concursos internos e só o ingresso na carreira exige concurso público.

A escolha de um desses sistemas é um problema técnico de grande importância, pois a forma escolhida determinará o tipo de carreira e, portanto, o tipo de policial do futuro.

De resto, o Ministério da Justiça não pode enviar ao Congresso um projeto de lei com alternativas.

Terá de decidir-se e, quanto antes o fizer, melhor.

Tirando esse ponto ¿ que revela o alarmante nível de politização interna a que se chegou na Polícia Federal ¿, o anteprojeto apresenta alguns aspectos interessantes.

A definição de prerrogativas, deveres e responsabilidades dos policiais federais deixa claro que a comissão que redigiu a proposta de lei orgânica se preocupou, antes de mais nada, com a disciplina do corpo policial.

As greves que notabilizaram de forma negativa a Polícia Federal e, mais recentemente, os escândalos envolvendo membros da corporação justificam sobejamente essa preocupação.

Há cerca de seis meses, a Corregedoria da Polícia Federal iniciou uma devassa na Superintendência de São Paulo, com resultados que já comentamos nesta página.

No ano passado, sem que houvesse correições extraordinárias, numa organização composta por cerca de 6 mil policiais, foram abertos 167 processos disciplinares e 325 sindicâncias, que resultaram em 18 demissões, 53 suspensões e 26 suspensões preventivas, além de 8 repreensões e 4 advertências.

O anteprojeto prevê a criação de multas como forma de punição disciplinar.

Além disso, cria o rito sumário, quando a pena a ser aplicada não exceder os 30 dias de suspensão.

O texto dá força e autonomia à Corregedoria.

O corregedor seria escolhido em lista tríplice entre os delegados mais graduados e nomeado pelo presidente da República, após sabatina pelo Senado, por um mandato de dois anos, renovável.

A corregedoria, além de zelar pela disciplina e corrigir desvios funcionais, deve propor medidas para o aperfeiçoamento técnico da atividade policial.

O anteprojeto também prevê a criação de um sistema de ouvidorias para ¿assegurar a preservação dos princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência dos serviços prestados¿.

O diretor-geral da Polícia Federal, por sua vez, passaria a ter a prerrogativa de, em caráter excepcional e motivadamente, após correição feita pela Corregedoria-Geral, avocar autos de inquéritos policiais e redistribuí-los.

Com isso, seriam evitados os casos de inquéritos que são engavetados e nessa condição continuam, embora a Corregedoria constate irregularidades.

Também é muito pertinente o dispositivo que proíbe aos integrantes da Polícia Federal qualquer atividade político-partidária, exceto a filiação e o direito de afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer.

Trata-se de restrição semelhante à imposta aos militares, com bons resultados para a vida cívica e institucional.