Título: Ortega tenta ressurgir na Nicarágua
Autor: Ginger Thompson
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2005, Internacional, p. A20

Já faz mais de duas décadas desde que esta minúscula nação de 5 milhões de habitantes e seu homem forte revolucionário, Daniel Ortega, mantiveram Washington acordada à noite. Nos últimos meses, novos temores, mas as mesmas velhas políticas, ressuscitaram aquela agitação. Ortega, um dos mais ferozes opositores dos Estados Unidos durante a guerra fria e líder da esquerdista Frente Sandinista de Libertação Nacional, lançou sua quarta campanha à presidência. Mais uma vez, a Casa Branca está preocupada sobre a possibilidade de que sua velha nêmesis possa vencer - desta vez com conseqüências de uma nova guerra global ao terrorismo.

Muito embora ainda falte mais de um ano e meio para as eleições e as chances de Ortega pareçam mínimas, o governo Bush não está dando chance à má sorte e deu início a esforços coordenados para impedi-lo.

O mais nítido tiro certeiro aconteceu há duas semanas, quando os Estados Unidos suspenderam cerca de US$ 2,3 milhões de ajuda militar à Nicarágua para pressionar o governo, e um Exército com raízes no movimento sandinista, a destruir seu arsenal de mísseis SA-7 de fabricação soviética.

A pressão vinha se formando desde janeiro, quando uma operação secreta realizada por agentes americanos e nicaragüenses pegou dois cidadãos nicaragüenses tentando vender um SA-7, míssil disparado do ombro que especialistas em terrorismo consideram ameaça em potencial para aviões civis.

A operação fez soar alarmes entre os republicanos conservadores, e o Departamento de Estado enviou duas delegações de alto nível para Manágua.

Em revistas de política e depoimentos perante o Congresso em Washington, ex-alunos da guerra fria - quase tão amestrados em ressurreição política quanto Ortega - emitiram fortes embora vagamente consubstanciados avisos sobre o fato de a Al-Qaeda estar recrutando espiões na América Latina; sobre um novo "eixo do mal" que está se formando através do Hemisfério Ocidental, desde a Venezuela passando pela Nicarágua e chegando a Cuba; sobre uma desestabilização ou uma derrocada dos princípios democráticos ao sul da fronteira; sobre o fato de Daniel Ortega estar servindo de instrumento para Fidel Castro de Cuba e Hugo Chávez da Venezuela.

A questão dos mísseis consumiu a atenção pública durante a recente turnê do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, pela região. Rumsfeld disse aos jornalistas que os SA-7 da Nicarágua podem ser operados por terroristas, por revolucionários e por outros, que estão ansiosos e dispostos a matar pessoas.

Um diplomata que acompanhou Rumsfeld na viagem e outros diplomatas em Washington e Manágua, deixaram claro que os Estados Unidos estão preocupados especialmente com a possibilidade de os mísseis chegarem às mãos do velho líder sandinista.

"Não há dúvida sobre isso, Daniel Ortega ainda é um agente central na política da Nicarágua", disse em entrevista um alto funcionário do Departamento de Estados. "O Partido Sandinista que Daniel Ortega representa não é um partido democrático. Eles podem atuar segundo processos democráticos, mas não se trata de um partido democrático", advertiu.

"Portanto, se vocês estão ouvindo que os Estados Unidos estão preocupados com os mísseis e com quem pode chegar ao poder em 2006, existe justificativa para isso", concluiu o funcionário.

A Nicarágua já foi um epicentro da política externa americana como é hoje o Iraque. Este país miserável foi transformado com a aplicação de centenas de milhares de dólares numa linha de frente da luta global contra o comunismo.

De um lado estavam os sandinistas de Ortega, que tinham derrubado uma ditadura de 40 anos e se aliaram com a União Soviética. Do outro lado, estavam os contras do presidente americano Ronald Reagan, rebeldes armados e organizados pelos Estados Unidos para derrubar o governo marxista de Daniel Ortega.

Os combates de lado a lado duraram anos até que finalmente as partes concordaram com a realização a realização de eleições em 1990. Ortega disputou a presidência, mas acabou perdendo. Os sandinistas se desmobilizaram como exército e tudo indicava que Ortega desapareceria do cenário político.

De fato, embora o líder sandinista não tenha governado o país desde 1990, continua sendo uma força política, sobrevivendo às mudanças nas ondas ideológicas e à acusação pública de ter abusado sexualmente de sua enteada em 1998 - acusações que ele negou categoricamente e a Justiça arquivou.

Agora com 59 anos, Ortega tem mantido sua popularidade, particularmente entre as camadas paupérrimas da Nicarágua, podendo obter delas delas apoio para desestabilizar o país.

Todos os três presidentes que estiveram no poder aqui desde 1990, começando com Violeta Chamorro, foram forçados a compartilhar o poder com Ortega de uma forma ou de outra para manter os manifestantes fora das ruas e os investidores no país.