Título: Governo reage e pode boicotar produtos argentinos
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2005, Nacional, p. A5

Diante da tentativa de Kirchner de reacender a "guerra

dos calçados", País pode adotar restrições a importações O governo brasileiro reagiu à tentativa do governo argentino de reacender a chamada "guerra dos calçados" com a possibilidade de adoção de medidas restritivas às importações de quatro produtos argentinos - vinho, farinha de trigo, arroz e cebola. O secretário de Comércio Exterior, Ivan Ramalho, informou ontem que uma reunião para verificar se há crescimento anormal de embarques de produtos nas duas mãos do comércio Brasil-Argentina está agendada para o próximo dia 16, em Buenos Aires, antes da nova onda de queixas argentinas.

A ameaça do Brasil de adotar também medidas restritivas no comércio com a Argentina, no caso de Buenos Aires insistir com a aplicação de novas barreiras aos produtos brasileiros, foi lançada em 12 de dezembro do ano passado. Na ocasião, o governo alegou que as queixas de produtores brasileiros desses mesmos quatro produtos - mais o alho, item retirado da lista - seriam suficientes para justificar a adoção do mesmo remédio. No início do ano, o Ministério da Agricultura iniciou uma investigação sobre os desembarques de vinhos e de farinha de trigo, sob a argumentação de que não se adequavam às normas de defesa agropecuária. Até o final de abril, os ânimos na Argentina estavam razoavelmente controlados.

"Os produtos argentinos também serão incluídos na reunião e serão objetos das discussões bilaterais", afirmou Ramalho.

Desde julho passado, quando a Argentina impôs restrições ao ingresso de eletrodomésticos brasileiros no país, o conflito comercial foi contornado por acordos entre os setores produtivos de ambos os lados - a rigor um acerto para limitar a capacidade de exportação das empresas brasileiras em favor da recuperação do setor concorrente argentino.

A expectativa de Ramalho é que a chamada guerra dos calçados venha a ser abortada por novo acordo empresarial.

A Secretaria de Indústria e Comércio da Argentina afirma que as empresas brasileiras ultrapassaram em 3 a 4 milhões a cota de exportação de pares de calçados, definida em um "acordo de cavalheiros" no ano passado. Essa cota seria de 13 milhões de pares de calçados de couro. Ramalho rebateu os dados afirmando que os embarques brasileiros à Argentina totalizaram 15 milhões de pares, dos quais 2 milhões de calçados de borracha ou plástico. Portanto, nas contas da Secex, o Brasil teria cumprido seu compromisso de exportar até 13 milhões de sapatos de couro.

EXAGERO

Para o secretário, há "exagero" nas advertências da Argentina, que atribui às pressões dos fabricantes sobre o governo do presidente Néstor Kirchner.

Conforme explicou Ramalho, a Argentina registrou aumento nas suas importações do mundo inteiro desde o ano passado - não apenas as provenientes do Brasil. "Não há grande crescimento das exportações brasileiras ou algo que possa ser conceituado como invasão de produtos brasileiros", insistiu.

As reclamações da Argentina tendem a se concentrar no fim de cada semestre, quando os países do Mercosul entravam as negociações mais delicadas para cumprir as metas fixadas para o período, anunciadas nas reuniões de cúpula. Desta vez, o reinício da guerra dos calçados deve tumultuar a reunião de cúpula de Assunção, no início de julho.