Título: Conflito domina conferência do TNP
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2005, Internacional, p. A10

Revisão do Tratado de Não-Proliferação começa com exigência americana de que Irã desmantele todas as suas instalações nucleares Sem agenda e ameaçada por vários impasses, a sétima conferência de revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear instalou-se ontem na sede da ONU, em Nova York, sob o impacto de dois eventos que ilustraram a ineficácia e crescente irrelevância do sistema internacional de controle de armas atômicas. No sábado, o Irã, um dos 189 signatários do TNP, anunciou planos de encerrar em breve a moratória voluntária de seu programa de enriquecimento de urânio, alegando que seus objetivos são pacíficos. Os EUA reagiram prontamente, indicando que darão um ultimato a Teerã, se o governo islâmico reativar suas instalações de enriquecimento. Ontem, num aparente recuo, um porta-voz do Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã, Ali Agha Mohamadi, disse que, "até o momento, não foi tomada uma decisão" de retomar o programa.

No domingo, a Coréia do Norte, que abandonou o TNP em 2003, depois de desenvolver capacidade nuclear e construir pelo menos um par de bombas atômicas, em clara violação de seus compromissos, aumentou a tensão com seus vizinhos realizando um novo teste de míssil sobre o Mar do Japão. Paralelamente, Pyongyang anunciou que não mais retornará à mesa de negociações sobre seu programa nuclear enquanto Geroge W. Bush estiver na Casa Branca.

Com esse pano de fundo, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, abriu a conferência (que ocorre a cada cinco anos desde a adoção do TNP, em 1970) conclamando países detendores e não detentores da bomba atômica a caminhar para um mundo livre de armas nucleares. "Um primeiro passo seria acelerar um acordo para criar incentivos para os Estados desistirem voluntariamente de desenvolver instalações de produção do ciclo de combustível nuclear", disse Annan, fazendo uma sugestão que, se acatada, forçaria o Brasil a abandonar o programa de enriquecimento leve de urânio, em Resende.

O diretor da AIEA , Mohamed El-Baradei, insistiu numa proposta de moratória mundial na produção de urânio enriquecido e na criação de um mecanismo internacional de distribuição e controle de combustível nuclear. Sem respaldo, a idéia conseguiu promover o milagre de união de Teerã e Washington, que a rejeitam.

Outra idéia sobre a mesa a imposição de sanções a países que usam o artigo 4.º do tratado, que permite a países desenvolver capacidade atômica para fins pacíficos, e depois reorientam seus programas para objetivos militares e abandonam o acordo, como fez a Coréia do Norte.

Representando os EUA no encontro, o secretário-adjunto de Estado Stephen Rademaker exigiu que o Irã abandone seu programa nuclear e "desmantele todos os equipamentos e instalações" que construiu para o projeto. Rademaker propôs que os países que violem o TNP sejam excluídos dos programas de cooperação nuclear para fins pacíficos.

Já a secretária de Estado Condoleezza Rice, que não participa do encontro, lançou uma advertência contra o regime norte-coreano. "Os EUA têm capacidades importantes - insisto, importantes - de dissuasão na região Ásia-Pacífico", disse ela a jornalistas. "Não deve haver dúvida sobre nossa capacidade de dissuadir os norte-coreanos."

Mas o esforço dos EUA de fazer do Irã e da Coréia do Norte o centro das discussões não encontra simpatizantes entre países não nucleares. Estes alegam que Washington faltou com seus compromissos de desarmamento e enfrenta hoje um problema de credibilidade.

Presidida pelo diplomata brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte e programada para durar um mês, a conferência foi recebida com protestos diante da sede da ONU. "Tenho raiva de qualquer país que possua armas nucleares e acho que elas devem ser abolidas", disse uma manifestante japonesa, Akemi Hatano, de 66 anos, sobrevivente do ataque atômico a Hiroshima, há 60 anos.