Título: Um risco de bilhões
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2005, Notas & Informações, p. A3

O Brasil faturou US$ 6,1 bilhões com a exportação de carnes no ano passado e US$ 6,38 bilhões nos 12 meses terminados em fevereiro, 49,6% a mais que no período imediatamente anterior. Esse comércio representa mais de 6% da receita comercial brasileira e é uma das atividades mais dinâmicas do País, com importante efeito multiplicador de renda e de emprego. Quem poria em risco um negócio tão importante econômica e socialmente para economizar R$ 100 milhões ou R$ 200 milhões? Acertará quem responder que é o governo brasileiro. Nenhum país prospera nesse comércio se não cuidar atentamente das condições sanitárias da produção. Um foco de aftosa numa boiada, mesmo numa região remota e não exportadora, pode ser o sinal para os compradores fecharem seus mercados. O governo russo fez isso, no ano passado. Um sinal de doença em frangos ou suínos pode excluir do comércio o produto de Estados ou regiões.

Mas o Brasil, apesar do compromisso oficial com a expansão das exportações, está arriscado a perder, a qualquer momento, o resultado de anos de esforços para eliminar doenças de animais e vencer, no exterior, as barreiras sanitárias ao ingresso de seus produtos. O orçamento da Secretaria de Defesa Sanitária do Ministério da Agricultura foi reduzido de R$ 137 milhões para R$ 37 milhões, por causa do contingenciamento de verbas.

O dinheiro agora disponível é ridiculamente pequeno para as necessidades do serviço. Mesmo a verba original ficaria muito longe da necessária, estimada pelos técnicos do Ministério da Agricultura em cerca de R$ 250 milhões.

Ao erro do corte somou-se o erro do timing. A redução da verba foi divulgada no momento em que um grupo técnico norte-americano vistoriava frigoríficos exportadores, como observou há poucos dias o ex-ministro da Agricultura e atual presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Marcus Vinicius Pratini de Moraes.

A inoportunidade pode ser detalhe secundário, porque o mais importante, sem dúvida, é a eficiência real da política. Mas essa falha realça o descuido na escolha do que cortar para garantir o indispensável superávit primário das contas públicas, a economia necessária para manter sob controle a dívida governamental.

Que seja preciso conter os gastos, com especial cuidado quando a receita do ano ainda é incerta, é assunto fora de discussão. Mas é preciso avaliar as conseqüências possíveis de cada corte e agir de acordo com prioridades bem estabelecidas. Está faltando esse cuidado.

Ao mesmo tempo que reduziu a um valor ridículo as verbas destinadas à defesa sanitária, o governo liberou R$ 400 milhões para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável pela condução de uma política mal concebida, mal executada e de resultados mais do que duvidosos.

Esse contraste revela um assustador vício de julgamento. A defesa sanitária do setor agropecuário tem de ser, por natureza, uma atividade contínua. O mínimo afrouxamento desse trabalho pode comprometer conquistas muito trabalhosas. Isso é especialmente preocupante num país, como o Brasil, que ainda não alcançou o status ideal na classificação de seus padrões sanitários.

Alcançar esses padrões é essencial tanto para o comércio quanto para a expansão de atividades com valor econômico estratégico. A produção de carnes envolve tanto a pecuária bovina quanto a criação de pequenos animais, que envolve um grande número de pequenos produtores.

Envolve também uma cadeia que inclui a produção de milho, indústrias fornecedoras de insumos e empresas processadoras de matérias-primas. Tudo isso representa um número considerável de empregos altamente produtivos e com invejáveis padrões de modernização.

Os Estados economicamente mais poderosos, como São Paulo, dispõem de recursos próprios para programas de defesa sanitária e têm obtido resultados notáveis nesse trabalho. O setor privado também pode contribuir para essa atividade. Mas a presença do governo federal continua indispensável tanto para o financiamento quanto para a coordenação das ações em todo o território nacional. É urgente a correção do enorme erro que se está cometendo.