Título: 'Queremos aumentar a retenção na fonte'
Autor: Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2005, Economia, p. B4

A Receita Federal quer ampliar o número de contribuintes que pagam impostos na fonte. Assim como os assalariados, que nem vêem a cor do dinheiro da parcela do salário destinada ao pagamento do Imposto de Renda, o Leão quer morder previamente alguns setores empresariais. O governo tentou, mas não conseguiu, fazer isso com os agricultores, transportadores de cargas e médicos. Se a Medida Provisória 232 não tivesse sido derrotada, as administradoras de planos de saúde, quando pagassem aos médicos conveniados, já debitariam os impostos federais. O mesmo seria feito pelas agroindústrias e empresas que contratassem transporte rodoviário de carga. O governo recuou, mas não desistiu dessa idéia. "Queremos ampliar a retenção na fonte. Esse é um mecanismo que se mostrou bem-sucedido", diz o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. Para ele, não se trata de aumento de carga tributária, mas de cobrar com mais eficiência e evitar sonegação.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O ministro Palocci já afirmou várias vezes que a sociedade não agüenta mais aumento de carga, que já teria chegada a um nível insuportável.

De fato o nível de pressão tributária está num patamar que não podemos elevar mais. É o nosso limite. Tanto é que buscamos sempre o acompanhamento desse limite e o governo cumpre essa expectativa. Não podemos pensar só em carga sem falar da despesa do governo. Eu concordo com ele. Realmente o nível está elevado e o propósito do governo é buscar um equilíbrio, uma redução, mas quando for possível.

O PSDB e o Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais) divulgaram dados que apontam aumento da carga em 2004. Quando a Receita vai divulgar a sua estatística?

Em relação às receitas administradas da Receita, a Fazenda já divulgou a redução da carga de 2004 em relação a 2002. É bom chamar atenção que nós não administramos os impostos estaduais e municipais. Nós vamos divulgar o trabalho da carga nacional, que ainda não está concluído.

O compromisso do governo é com relação à carga nacional ou federal?

Não podemos ter um compromisso em relação aos Estados e municípios. O governo federal não tem gerência sobre os tributos dos Estados e municípios. O ponto que nós sempre colocamos é em relação às receitas administradas pela Receita Federal. Não podemos ser cobrados por eventual aumento da carga dos Estados e municípios. Não sei se vai ter, pode até haver redução.

Há 66 processos de demissão de funcionários da Receita sobre a mesa do ministro Palocci. Como o senhor vê esse número elevado de servidores envolvidos em casos de corrupção?

Só uma ressalva: não é um número elevado, temos 20 mil servidores. Não podemos admitir na administração pública desvio de conduta, muito menos num órgão fiscalizador, que cuida do dinheiro público. Estamos buscando sempre o aperfeiçoamento dos nossos sistemas e controles. Há tecnologia muito boa para isso. Temos uma série de papéis de trabalho, que possibilitam identificar, por intermédio de auditoria de procedimentos, o correto cumprimento das normas.

A PF grampeou funcionários da Kroll e um dos espiões que se gabava de ter acesso a qualquer informação da Receita. O que o senhor tem a dizer sobre esse tipo de vazamento? O que está sendo feito para diminuir esse tipo de conduta?

Se alguém pratica desvio de conduta, após o devido processo legal será identificado e tomaremos as providências legais em todos os aspectos, administrativos e penal. Temos informações importantes, como deve ter uma administração tributária, e nos preocupamos com a guarda delas. Temos controles rigorosos. É leviano alguém pensar que as informações saem da Receita sem controle. Alguém de fora da instituição pode estar vendendo essa idéia dizendo "eu tenho isso com facilidade". Ledo engano pensar que não vai haver rastro. Essa pessoa vai ser identificada. Temos condições de saber quem acessou, o que acessou, em qual equipamento e a que horas.

A Receita tem desarticulado quadrilhas fraudadoras do IRPF. É um aviso para quem está preenchendo a declaração esses dias?

Precisamos aumentar a arrecadação sem aumentar a pressão tributária. Para isso, estamos fazendo uma série de ações de fiscalização e chamando a atenção para elas. Ledo engano tentar burlar o fisco, com o nível de informações que nós temos. Podemos não pegar no primeiro momento, mas vamos pegar. É o que está acontecendo agora. Temos 5 anos para apurar. E estamos chegando perto dos fatos, chamando atenção: "Meu amigo, tome cuidado. Faça um exame de consciência. Se tiver algum problema, corrija. Porque estamos próximos, estamos chegando." Estamos concentrando nas pessoas físicas agora.

A Receita foi incluída no projeto-piloto que o governo negociou com o FMI. O que será feito com o dinheiro?

Temos de buscar o elemento chave que é informação, inteligência e tecnologia. São recursos que visam a modernização tecnológica e o aperfeiçoamento de controles, especialmente na área aduaneira. Estamos num processo de facilitar o comércio exterior, mas com segurança aduaneira.

Os Estados Unidos deram prazo para o Brasil mostrar avanços no combate à pirataria. O que a Receita está fazendo?

A preocupação da Receita não é só a pirataria, mas também contrabando e descaminho. Temos atuado de maneira intensiva. Resolvemos atacar, especialmente a partir do quarto trimestre do ano passado, a logística do comércio ilegal. No Paraná, trabalhamos para tirar de circulação aproximadamente 50% dos chamados ônibus de sacoleiros. Trabalhamos em diversas ações imprevisíveis. Hoje, batemos aqui: amanhã, lá; depois eu volto para cá, sem que haja previsibilidade das nossas ações. temos obtido excelentes resultados. Os movimentos cresceram internamente. Pessoas que iam até a fronteira agora adquirem produtos internamente. Uma grande indústria de produtos de tecnologia, de computadores, nos informou que os pedidos cresceram 40%.

E as pessoas que viviam do comércio ilegal? Como ficam?

Existe uma lei no Brasil e ela tem de ser cumprida. Não podemos admitir ilegalidade. Estamos com um projeto de revitalização da ponte da Amizade, melhoria do ambiente, de recuperação da vocação turística daquela região. Do ponto que estava, não levávamos as nossas famílias. Daí o aumento do limite de compras de US$ 150 para U$ 300.

Vão usar helicópteros para fiscalizar a fronteira?

Estamos estudando um plano de operação. Não sabemos se é helicóptero, avião, aeroplano... São várias etapas. Não vamos sair comprando helicóptero, gastando dinheiro.

Mas haverá força área no trabalho de fiscalização? Vai ter uma força mais visível, ostensiva na fronteira?

Esperamos que sim. Esse é nosso propósito. Não adianta botar o Exército de mãos dadas na fronteira, que nós vamos perder para o contrabando. Temos que trabalhar com inteligência. Na ponte da Amizade vamos usar controles visuais, de câmeras.

A Receita vai aumentar também o limite de US$ 500,00 para compras no exterior por via aérea?

Não. Esse limite está bom.

Quando a Receita vai começar a unir cadastros com os da Secretaria de Receita Previdenciária, o primeiro passo para a criação da "Super-Receita"?

Estamos trabalhando para essa junção, mas não temos prazo.Temos, antes, de conversar com a tecnologia de lá.

Um das reivindicações dos empresários é que a Receita diminua as chamadas obrigações acessórias, as inúmeras declarações que devem ser entregues ao Fisco. Há um grupo de trabalho que prepara essa redução.

Não temos ainda uma proposta acabada. Melhorando a nossa tecnologia, podemos fazer isso. Com a certificação digital, será mais fácil ainda, porque haverá interação entre o contribuinte e a Receita. O Fisco não quer criar burocracia, nós buscamos o controle. Muitas vezes por causa da urgência, da tecnologia do momento, acabamos indo para um caminho que não é o melhor, mas sempre tendemos a buscar a simplificação.

E a MP 232 e o novo projeto de lei que será enviado ao Congresso com as medidas contra a sonegação?

O assunto está bastante amadurecido. Está sendo tratado lá no Congresso. Chegou a um ponto de debate, como desde o início tínhamos combinado.

Por que vocês insistem em ampliar a retenção na fonte nas medidas que foram negociadas no projeto? (Das sete medidas negociadas, quatro prevêem a retenção na fonte. Pelos cálculos da Receita, a retenção na fonte do PIS e da Cofins no setor de serviços, que começou a vigorar no início de 2004, permitiu o aumento em 30% da base de arrecadação.)

É um mecanismo eficaz de combate à evasão tributária. Para o contribuinte que paga imposto, o efeito é neutro. O contribuinte que não paga imposto, esse, sim, vai ser penalizado. Esse é um caminho que se mostrou bem-sucedido.

Com relação a essas medidas não poderá, então, haver resistências, já que não há aumento de carga?

(Risos). Vocês é que estão chegando a essa conclusão...