Título: Dilema no BID: ter China como sócia
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2005, Economia, p. B5

O desejo da China de se tornar sócia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) transformou-se numa fonte de discórdia entre os países -membros da instituição. De um lado, os Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul e alguns países da América Central dificultam a entrada, alegando obstáculos técnicos. Já o Brasil, Argentina e outros latino-americanos defendem com entusiasmo a idéia de se associar a esse importante parceiro comercial e querem agilizar o processo. Os chineses pretendiam participar da reunião anual do BID no Japão como acionistas, a exemplo da Coréia do Sul, que se incorporou ao banco em março. Mas o presidente-assistente do Banco Central chinês, Ma Delun, presente no evento, lamentou o fato de seu país não ter sido aceito. Segundo ele, assuntos técnicos representam o principal obstáculo. Porém Ma ressaltou que seu país "continua determinado a entrar no BID e vai fazer todos os esforços para que isso ocorra o quanto antes".

A justificativa técnica usada para barrar a entrada baseia-se nas regras do BID, que proíbe que um país seja ao mesmo tempo doador e tomador de recursos em organismos multilaterais. O país tem uma pequena dívida com o Banco Mundial, que segundo as autoridades chinesas será quitada em breve.

O governo japonês, por sua vez, afirma que a China não pode ser doadora de recursos ao BID enquanto recebe ajuda oficial para o desenvolvimento dos cofres de Tóquio.

Mas os bastidores do encontro de Okinawa indicam que essas barreiras técnicas estão sendo usadas para justificar um oposição geopolítica e econômica. O próprio presidente do BID, Enrique Iglesias, admite haver dificuldades políticas.

Os EUA, que controlam 30% dos votos do BID, estão cada vez mais atentos à crescente influência chinesa em diversas regiões do mundo, incluindo a América Latina, vista como uma base estratégica de recursos naturais e matéria prima. O comércio entre a China e a região aumentou 600% nos últimos dez anos. Em 2004, a China importou cerca de US$ 22 bilhões da América Latina e exportou US$ 18 bilhões para a região.

Ma, num seminário, observou o crescente comércio e investimento da China foi um fator importante no crescimento superior a 5% registrado na América Latina no ano passado.

Além disso, Washington mantém uma política de permanente crítica quanto à relação entre a China e Taiwan, posição partilhada por alguns países da América Central.

O Japão e, em menor grau, a Coréia do Sul vêm manifestando uma crescente preocupação com o poderio econômico e político chinês na Ásia. Além disso, os japoneses, velhos sócios do BID, foram postos no segundo plano nas prioridades asiáticas de muitos países latino-americanos.

Brasil, Argentina e outros países latino-americanos apóiam uma associação com a China no BID. Segundo fontes, o Brasil teria condicionado a aprovação da entrada da Coréia do Sul ao pleito chinês de se juntar à organização. A inclusão de novos sócios no BID se tornou possível com a compra das ações votantes que eram controladas pela antiga Iugoslávia. Trata-se de um uma participação de apenas 0,5%, cuja metade já foi adquirida pela Coréia do Sul. O BID congrega 26 membros do continente americano e 21 de outras regiões.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que chefia a delegação brasileira demonstrou confiança na inclusão da China, "Acreditamos que que a China em breve resolverá os problemas técnicos e entrará no BID", disse. "Esse parceiro importante fortalecerá a organização."

ELOGIOS AMERICANOS

Bernardo teve ontem um encontro com o subsecretário para Assuntos Internacionais do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, John Taylor. Segundo o ministro, Taylor teceu elogios à política econômica brasileira e perguntou sobre as perspectivas de crescimento do país. "Expliquei a nossa preocupação de, ao mesmo tempo, manter equilibrado o lado fiscal e direcionar mais recursos para os nossos projetos de inclusão social."

Taylor pediu também detalhes sobre o projeto piloto do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que permitirá neste ano a retirada de US$ 2,8 bilhões de investimentos em infraestrura do cálculo do superávit primário. Segundo Bernardo, esses investimentos se concentrarão em estradas e portos.

A possível sucessão de Iglesias do BID também foi abordada no encontro. O ministro brasileiro explicou a Taylor que o Brasil, caso Iglesias decida mesmo sair do cargo, pretende eleger o economista João Sayad. "Ele conhece o Sayad, fez inclusive elogios, mas disse que os Estados Unidos não pretendem se envolver nessa questão", disse Bernardo. "Foi claramente uma atitude de prudência." Segundo o ministro, a França já manifestou seu apoio a Sayad caso ocorra uma mudança no comando do BID.