Título: Mercedes põe uma cidade em suspense
Autor: Eduardo Kattah
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2005, Economia, p. B8

Na semana passada, o jovem Marcelo decidiu tirar o currículo da gaveta para buscar outro trabalho. Funcionário da linha de produção da fábrica da Mercedes-Benz em Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, a 255 quilômetros de Belo Horizonte, ele tem poucas esperanças de continuar no emprego depois de fevereiro do ano que vem, conforme a garantia da empresa no último acordo coletivo fechado com o Sindicato dos Metalúrgicos. "A expectativa já é de fechamento mesmo, de baixar as portas." Resignado, já pensa em deixar a cidade. "Aqui não vai ter ocupação para mim." Empregado do setor de pintura, com medo de represálias, pediu para ser identificado apenas pelo prenome. Marcelo trabalha na montadora desde o início das operações em Juiz de Fora, em 1999. Hoje, é o retrato do desânimo que se abateu sobre os 1.160 trabalhadores da unidade, após o anúncio do fim da produção do Classe A - único modelo fabricado atualmente - e do projeto Smart Formore. "É uma frustração, porque eles iludiram a gente muito. Criaram expectativa, mas a fábrica nunca decolou", lamentou. "Tenho muitas dúvidas de que um dia isso vai mesmo acontecer."

Em meio às especulações a respeito do encerramento das atividades da unidade, na última quinta-feira, a DaimlerChrysler, controladora da Mercedes-Benz, divulgou nota na qual afirma que um novo projeto (ou "conceito de produção") dará continuidade às operações da unidade.

As seis linhas da nota não dissiparam o temor pelo futuro. O prefeito de Juiz de Fora, Alberto Bejani (PTB) - que acusa a direção da DaimlerChrysler de descaso com a cidade -, disse aguardar uma notícia tranqüilizadora. "Esse anúncio é muito vago. Me dá a impressão de que não há alternativas reais."

O destino da fábrica conseguiu até unir dois ferrenhos adversários da política local. O deputado federal Custódio Mattos (PSDB), prefeito na época da decisão pela instalação da indústria na cidade, considerou a comunicação oficial "irritantemente lacônica". "Das duas, uma: ou a notícia é boa e acho que deveria ser dada na integralidade; ou a notícia é ruim e isso é uma enrolação."

Mattos se declara otimista, mas mostrou-se indignado com a falta de informações. "A empresa devia ter respeitado mais a angústia local."

OCIOSIDADE

A unidade da Mercedes em Juiz de Fora trabalha hoje com aproximadamente 5% da capacidade produtiva, de 70 mil veículos por ano. Quarta-feira, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) divulgou o recorde na produção de carros durante o primeiro trimestre (565.385 unidades). A fábrica, fechada e com os atuais 1.160 trabalhadores diretos em casa, era a imagem do contraste. A baixa produção reduziu a jornada semanal de 44 horas para 20 horas. Todos trabalham meio período, três vezes por semana.

A nota divulgada pela subsidiária brasileira da DaimlerChrysler não dá detalhes sobre a decisão do Comitê Executivo do Mercedes Car Group. Somente informa que eles serão apresentados oportunamente pela matriz. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Juiz de Fora e Região, Geraldo Werneck, classificou de vazio o comunicado e cobra da empresa alternativas palpáveis.

"Não tem nada de concreto. Queremos, sim, saber se a fábrica vai ser mantida, mas com quantos trabalhadores? Coisas anunciadas anteriormente não foram cumpridas. Isso nos deixa desconfiados de que foi só uma tática para esvaziar o processo de mobilização. De repente, fica alguém só para ligar e desligar a luz", afirmou. "Eu não estou vendo muito futuro. Quero ver alguma coisa palpável. Palpável para nós era o projeto do Smart."

De acordo com o sindicato, a montadora sustenta 500 empregos indiretos, mas, com o cancelamento da produção do Classe A, empresas fornecedoras - responsáveis por aproximadamente 200 postos de trabalho - já comunicaram o encerramento das atividades para os próximos meses.

Responsável pela montagem dos pneus do Classe A, a Continental do Brasil Produtos Automotivos investiu cerca de US$ 4 milhões na implantação da unidade no parque interno de fornecedores. Hoje, tem apenas cinco funcionários e o gerente Washington Ximines ressalta que a permanência da empresa em Juiz de Fora é incerta, mesmo com a possibilidade de um novo produto.

"É insustentável manter uma unidade como essa, de alta tecnologia, simplesmente em stand by para alguma coisa", disse. "Por enquanto, o que a gente tem de concreto é o término da produção (do Classe A) em agosto."

PRESSÃO

Os boatos de que a fábrica poderia deixar o Estado são antigos e começaram já nos primeiros dois anos de operação, quando não foram atingidas as metas previstas de produção. Até hoje, foram produzidos pouco mais de 60 mil unidades do Classe A, que chegou ao mercado logo após a desvalorização cambial do início de 1999. Isso encareceu o custo final do veículo, que tem componentes importados e cotados em dólar.

Valter Sanchez, representante brasileiro do Comitê Mundial dos Trabalhadores da DaimlerChrysler, acha que a informação da matriz deu uma esperança de sobrevida à unidade industrial, mas salientou que a mobilização pela manutenção dos empregos continuará.

O governo estadual procura pregar otimismo. "Não vai haver fechamento da planta e o produto que vier a ser fabricado na unidade garantirá os empregos", afirmou Eduardo Lery Vieira, diretor e presidente em exercício do Instituto de Desenvolvimento de Minas Gerais (Indi), indicado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico para falar sobre o assunto.