Título: O prefeito comunista encontra a fé com chacina
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2005, Metrópole, p. C7

As tragédias da Baixada Fluminense estão mudando alguma coisa no prefeito Lindberg Farias (PT). O comunista que ele é já não anda tão agnóstico e o destemor, que sempre marcou sua militância política, está deixando de ser temerário. "É tanta desgraça que a gente vai ficando machucado", diz o prefeito de Nova Iguaçu. "Estou me aproximando da Igreja e passei a tomar mais cuidado." Em pouco mais de três meses de mandato - foi eleito no primeiro turno com 57,4% dos votos - Lindberg, de 35 anos, casado, um filho, viu três crimes na cidade ganharem manchetes. O primeiro foi o assassinato de mãe e seis filhos, em 21 de fevereiro, no bairro periférico Cerâmica.

O segundo foi o homicídio do ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho, na reserva ecológica do Tinguá, no dia 22 do mesmo mês. O terceiro foi a matança da semana retrasada, com 30 vítimas. "É muita paulada", disse, há alguns dias, em uma sala da agitada e algo bagunçada prefeitura. Mangas de camisa enroladas, visivelmente cansado pela agitação dos últimos dias, parece, mais do que um prefeito, um militante no fragor de alguma batalha.

O rescaldo da matança não deixou de ser uma. Ainda na madrugada, com os cadáveres nas ruas, Lindberg acordou o bispo, d. Luciano Bergamin. Foi a primeira peregrinação, e as orações aos mortos, àquela hora, acenderam uma chama de fé. Nos dias seguintes, a tristeza da Rua Gama e do bairro da Posse o recebeu com freqüência, às vezes ao lado de ministros do governo Lula. "É o mínimo que eu posso fazer, porque o medo é visível." Entre outras medidas, anunciou que o bar Caíque, onde tombaram nove, será transformado em centro de educação para jovens.

Ressabiado porque a União não mandou a Força Nacional de Segurança intervir na região, Lindberg continua a defender a medida. "É a única forma de acabar com a banda podre das polícias." Ele está convencido, como foi aventado pela própria Secretaria de Segurança, de que a matança foi obra de maus policiais. O prefeito diz que "a polícia conhece a sua banda podre" e não toma providências efetivas "porque prevalece a cultura de que bandido bom é bandido morto".

Tragédias à parte, comprou brigas difíceis. A primeira, parcialmente ganha, é contra o que chama de "máfia do Hospital da Posse". Foco conhecido de corrupção, com quatro mortes de diretores ao longo dos anos, o hospital público, com novos administradores, está tentando fazer jus ao nome. Resiste, ainda, o que o prefeito chama de "máfia da funerária".

Entre outras práticas, o monopólio cobra R$ 600,00 para de lá retirar um morto. Na semana passada, o prefeito prometia acabar com a exclusividade, por decreto. Temia reações e ameaças, e achou que seu carro oficial andou sendo seguido. "Estou tomando cuidado, mas não vou recuar."

Entre tantos percalços, teve uma boa nova na quinta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa à prefeitura em ação contra os supersalários de 59 servidores. Um deles, de R$ 21 mil, é da procuradora aposentada Georgina André Alexandrino. O salário do prefeito é de R$ 9 mil. Ainda cabe recurso da decisão, mas Lindberg, confiante, já anunciou que os R$ 4,5 milhões anuais de economia serão investidos em obras sociais.