Título: Vaticano já fala em milagres
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2005, Vida &, p. A14

O túmulo do papa João Paulo II nem sequer foi aberto para visitações na Basílica de São Pedro e o período de nove dias de luto está apenas começando. Mas os primeiros relatos sobre os milagres praticados por Karol Wojtyla começam a surgir no Vaticano. Durante o enterro do papa, na sexta-feira, milhares de fiéis pediam a canonização de João Paulo II. Ontem, o jornal italiano La Stampa informou que o Vaticano estaria até mesmo coletando relatos de possíveis milagres realizados pelo papa. Como que combinado, tanto o La Stampa como o Il Giornale publicaram em suas edições de ontem um amplo relato do secretário particular do papa, arcebispo Stanislaw Dziwisz, contando como um judeu americano foi curado de seu câncer depois de ter comungado em uma missa presidida pelo papa. O suposto milagre teria ocorrido em 1998, mas misteriosamente a informação está sendo divulgada apenas agora.

Os jornais contam que Dziwisz teria um amigo que sofria de um tumor no cérebro e que seu maior desejo era encontrar-se com João Paulo II. Uma missa privada foi organizada pelo papa e, mais tarde, o tumor do americano, cuja identidade não foi revelada, desapareceu. Dziwisz ainda teve muito cuidado em não falar de milagres, mas de um "poder supremo de Deus".

RELATOS LATINOS

Até o século 10, existia a possibilidade de que papas e outras pessoas fossem santificados por aclamação popular. Mas as atuais regras exigem que, para o tema ser considerado, exista pelo menos dois supostos milagres realizados pelo candidato a santo. E é da America Latina que chegam outros dois relatos de milagres: um ocorreu com uma jovem mexicana, que teria sido curada também de um câncer; o outro incidente foi a cura de uma irmã na Colômbia, que sofria com suas doenças.

Até mesmo o arcebispo da Basílica de São Pedro, Francesco Marchisano, falou no sábado e indicou que ações do papa teriam ajudado a recuperar sua voz após uma cirurgia. "Ele (papa) tocou em minha garganta onde havia sido operado e disse para não me preocupar e que seria curado", afirmou o cardeal italiano.

CANONIZAÇÃO

De todas as formas, qualquer caso que surgir será cuidadosamente avaliado pelo Vaticano, de acordo com as regras vigentes na Santa Sé. Anteontem, o porta-voz Joaquín Navarro Valls deixou claro que a decisão de uma beatificação e, posteriormente, uma canonização de João Paulo II somente será tomada pelo próximo papa, que será eleito neste mês.

Mas os fiéis que foram ao enterro pareciam já ter tomado uma decisão e espalharam faixas pedindo a ação imediata. "Santo subito", diziam as faixas - em português, santo já.

Em Roma, a adoração ao papa morto tem sido pronunciada desde sua morte e o jornal de esquerda Il Manifesto alerta que o próprio João Paulo II estaria preocupado com o culto a sua personalidade. Nas lojas de lembranças que se proliferam pela cidade, itens com a imagem de Karol Wojtyla são os mais procurados pelos fiéis e, cada vez mais, por simples turistas. Até mesmo camisetas já foram fabricadas com mensagens dos supostos milagres do papa.