Título: Um plano para acabar com a doce vida de Itamar em Roma
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Nacional, p. A10

O embaixador Itamar Franco confidenciou a amigos que, por sugestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o estimulou a ser candidato ao Senado ou ao governo de Minas Gerais em 2006. Se ele aceitar o convite, trocará a doce vida no esplendoroso Palácio Doria Pamphili, na Piazza Navona, um dos principais cartões-postais da capital italiana, pela poeira da campanha eleitoral nas estradas mineiras. O embaixador brasileiro em Roma tem dito aos mesmos amigos que, antes da decisão final, terá duas conversas essenciais: uma, com quem sugeriu o convite, o presidente Lula; outra, menos política e mais administrativa, com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. A sugestão para o convite desmente o personagem de uma piada freqüente nos corredores do poder - a de que Lula considera Itamar o cidadão mais poderoso da República, porque tem o emprego que quiser, desde que seja longe do Brasil.

EMBARAÇOS

"Querem é que Itamar saia da embaixada, pois o governo italiano está se considerando desprestigiado com um embaixador que não circula e vive mais em Juiz de Fora", explica um diplomata que conhece bem as inflexões no relacionamento entre os dois países. Na verdade, a permanência do ex-presidente num posto de primeira linha, de importância política, econômica e histórica para o Brasil, tem causado embaraços diplomáticos.

Alguns deles foram presenciados pelo presidente Lula na sexta-feira passada, no dia do funeral do papa João Paulo II. Na recepção do Palácio Doria Pamphili, quando já estavam todos prontos para sair em direção ao Vaticano, Itamar, que devia dar o exemplo, fez o presidente esperar por mais de 15 minutos. "Cadê o Itamar?", perguntava um Lula impaciente. Durante o funeral, o presidente só não enfrentou maiores contratempos porque a embaixadora brasileira no Vaticano, Vera Machado, pôs sua equipe de prontidão, trabalhando mais de 14 horas por dia, algumas vezes, dentro do próprio Palácio Pamphili.

Todos viram que o embaixador Itamar Franco não é do tipo que põe a mão na massa. Nas últimas 48 horas, segunda e terça-feira, quando Roma chorava com a morte do papa e fervia com a derrota do partido do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, Itamar concedeu apenas duas audiências: uma, na segunda-feira, a um ex-deputado mineiro; e outra, na terça, a um jornalista carioca. Afora isto, só despachos internos com os conselheiros da embaixada, sem se dar ao trabalho de complexos diálogos em italiano.

VIDA BARATA

Estaria tudo muito bem se a permanência de Itamar na embaixada fosse módica para os cofres públicos. Não é. Em Roma, chova ou faça sol, todo fim de mês chega-lhe às mãos um contracheque de, no mínimo, US$ 12 mil (R$ 30.840 ao câmbio de ontem). Custa-lhe quase nada viver num belíssimo palácio construído no século 16 pela família do papa Inocêncio X: o Itamaraty envia verba para as despesas básicas da chancelaria e da residência. O embaixador paga apenas parte da alimentação consumida por ele e seus eventuais familiares. Tem a sua disposição um exército gratuito de empregados domésticos com três arrumadeiras, dois cozinheiros, três copeiros e uma lavadeira. As contas de luz, gás, energia, internet e TV a cabo nunca lhe chegam às mãos: param antes na mesa do funcionário encarregado de quitar as despesas mensais por conta do erário brasileiro.

Como embaixador, Itamar é beneficiado por excelente seguro-saúde cuja contribuição mensal é paga, na maior parte, pelo Itamaraty. Quando quer sair de casa - o que acontece muito pouco -, ele é acompanhado por segurança paga pelo governo brasileiro e circula numa limusine Mercedes-Benz oficial, com motorista. A gasolina, naturalmente, é custeada pelo Itamaraty.

FUNCIONÁRIOS

Quando visitantes oficiais especiais enchem os quartos de hóspedes do Palácio Doria Pamphili, Itamar não tem com que se preocupar: todas as despesas dos convidados oficiais são custeadas pelo governo brasileiro. Ele, no máximo, tem de gastar conversa. Mas não é só. Por ser ex-presidente da República, Itamar tem direito a um staff com mais oito funcionários, todos pagos pelo contribuinte (incluindo as passagens aéreas, quando eles têm que viajar na ponte aérea Roma-Juiz de Fora).

Dos oito, dois gozam de posição destacada. A major Doralice Lorentz Leal, da Polícia Militar de Minas, é chamada à boca pequena de "embaixatriz". Cabe a ela administrar com mão-de-ferro os poucos funcionários da embaixada, que são obrigados, por determinação dela, a usar crachás no trabalho. Ela também maneja a verba destinada ao pagamento da alimentação dos funcionários da embaixada.

Já o major Eduardo Costa Reis é o faz-tudo e trabalha mais do que muito conselheiro de embaixada. Ele faz um dublê de segurança e assessor de imprensa, mesmo não sendo jornalista, e está sempre na linha de frente, encaminhando até mesmo os pedidos de audiência ao embaixador. "Como Itamar é mercurial, os bons diplomatas preferem não trabalhar com ele", explica um conhecedor da carrière.