Título: Fazendeiro terá de produzir mais para se livrar de reforma agrária
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Nacional, p. A12

Após 30 anos sem mexer no conceito de produtividade da terra, o governo federal vai alterar os índices que medem o rendimento no campo para fins de reforma agrária. A medida, a ser adotada por instrução normativa dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, vai aumentar o estoque de propriedades passíveis de desapropriação e ampliar a polêmica em torno da questão fundiária brasileira. O objetivo é incorporar o progresso científico e as novas tecnologias ao conceito de produtividade rural. Pela minuta da medida, à qual o Estado teve acesso, a produção de gado em algumas regiões precisará ser mais que o dobro da atual para que uma terra seja considerada produtiva e, portanto, livre de desapropriação. É o caso do árido sertão nordestino, onde o número mínimo de reses subirá de 0,13 por hectare para 0,29 por hectare, variação de 123%. Na lavoura, o índice também terá de ser duas ou três vezes superior ao de hoje.

Na década de 70, o Brasil tinha 90 milhões de habitantes e 60 milhões de cabeças de gado. A produção de grãos era de 55 milhões de toneladas. Hoje, o Brasil tem 180 milhões de habitantes para um rebanho de 195 milhões de reses e a produção de grãos superou a barreira das 119 milhões de toneladas. Mas os índices para aferição da produtividade continuam os mesmos fixados em 1975, quando se trata de desapropriar terras produtivas para fins de reforma agrária.

Ao longo desses 30 anos, conforme a exposição da minuta, novas tecnologias, como o computador e a internet, foram incorporadas à realidade do campo. Tratores sofisticados com GPS também chegaram às lavouras, reforçadas com o desenvolvimento da tecnologia genética. Na pecuária, igualmente, o melhoramento genético, a introdução de manejos mais adequados e a qualidade das pastagens tornaram o rebanho brasileiro um dos mais competitivos do mundo.

DIFÍCEIS

Na contramão desses avanços, os processos de desapropriação tornaram-se cada vez mais difíceis, graças a truques desenvolvidos por proprietários. Das desapropriações obtidas, mesmo com índices defasados, muitas são anuladas pela Justiça. Com novos parâmetros, o Incra pode abrir outro processo desapropriatório contra essas terras já vistoriadas, desta vez com melhor chance de sucesso.

A partir dos novos índices, o governo vai exigir o cumprimento dos dispositivos da Constituição e da Lei 8.629 que tratam da função social da terra para, com isso, tirar do papel a reforma agrária, considerada um fracasso até agora. A aferição continuará nos mesmos moldes, a partir de vistorias do Incra para medir o grau de utilização da terra (GUT) e o grau de eficiência na exploração (GEE).

A instrução normativa ajustará os índices de rendimento de 38 produtos vegetais e os índices de lotação (cabeças de reses para a pecuária). Além disso, fixará índices para 37 novos produtos vegetais, 7 deles produtos extrativos florestais. Para contemplar a diversidade do País, o número de zonas de produção passa de cinco para oito.

PERIODICIDADE

A Lei 8.629 considera produtiva a propriedade que, "explorada econômica e racionalmente, atinge simultaneamente graus" de uso da terra e eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão competente. O artigo 11 da lei prevê que os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional.

O Brasil tem 4,2 milhões de propriedades rurais, perfazendo 420 milhões de hectares. Só 3,5% têm mais de 500 hectares, mas juntas somam 235 milhões de hectares. O governo não sabe ainda quantas serão alcançadas pelo novo conceito de aferição da produtividade.