Título: Luz subsidiada do Norte sob suspeita
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2005, Economia, p. B2

O cidadão Raimundo Santos da Silva espera, desde dezembro de 2002, que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) investigue uma denúncia que fez de desvio de combustível em várias localidades do Amazonas. Raimundo Santos mora em Manaus e é presidente da Central Única das Comunidades (CUC). A entidade tem representantes em 23 municípios daquele Estado. A denúncia foi feita durante audiência pública, e o diretor e ouvidor da Aneel, Jaconias de Aguiar, comprometeu-se a acionar a fiscalização do órgão. "Até hoje espero providências, pois a Aneel não deu qualquer satisfação", disse Santos em conversa com esta coluna. A quase totalidade da energia elétrica consumida pelos habitantes do Amazonas é produzida por termelétricas, que utilizam óleo diesel e óleo combustível. O presidente da CUC informa que os apagões nos municípios amazonenses são freqüentes. Eles acontecem, em primeiro lugar, porque o maquinário utilizado pelas usinas é muito velho e, quando ocorrem quebras, as peças de reposição demoram a chegar. "Às vezes, as comunidades ficam quatro semanas sem energia, aguardando a chegada das peças", observa.

Outra razão dos apagões, segundo Raimundo, é o desvio do combustível. Ele informa que o óleo diesel é transportado por via fluvial, em balsas. "Em Urucurituba, por exemplo, a balsa que levava o diesel deixava uma parte do combustível com outra pessoa, que vendia o produto", explica. "O diesel vai ficando pelo meio do caminho". Ele lembra de apagões recentes nas cidades de Parintins, Itaquatiara, Nova Olinda, Manacaturu, Aucazes, Iranduba e Codajás.

O senador Valdir Raupp (PMDB-RO), em pronunciamento feito na semana passada, disse que existe a suspeita de que os desvios de combustíveis no Norte tenham alcançado, em 2004, a astronômica cifra de R$ 500 milhões. Raupp está convencido de que existem mecanismos, no atual sistema de produção de energia elétrica naquela Região, que facilitam os desvios e as fraudes.

A energia produzida por termelétricas a diesel e a óleo combustível é muito cara. Por isso, os consumidores de energia elétrica dos Estados da Região Norte (as exceções são o Pará e Tocantins) recebem subsídios, custeados pelos consumidores dos demais Estados do País, que pagam um adicional de 3% a 7% em suas contas de luz. O dinheiro arrecadado vai para a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC). A Região Norte recebe 96% dos recursos da CCC. Sem os subsídios, as tarifas de energia dos consumidores nortistas aumentariam em até 300%.

Uma recente auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na CCC mostrou que a aplicação dos recursos não é fiscalizada. Os valores são repassados às concessionárias estatais e privadas mediante a apresentação de uma Solicitação de Reembolso (SDR) e de cópias das notas fiscais de aquisição dos combustíveis na BR Distribuidora. Segundo os auditores do TCU, a única checagem feita pela Eletrobrás, gestora dos recursos da CCC, é a análise do formulário de Solicitação de Reembolso, em confronto com as cópias das notas fiscais apresentadas pelas concessionárias. Não há verificação in loco.

Também não há, de acordo com o TCU, qualquer controle operacional no sentido de verificar se a geração das usinas é compatível com o consumo de combustível declarado pelas concessionárias. Alguns dados apresentados pela auditoria do tribunal reforçam as suspeitas dos desvios. A perda de energia da Companhia Energética do Amazonas (Ceam) foi de 46,93% no ano passado, como mostra o gráfico abaixo. A perda é a diferença entre a energia produzida e aquela consumida.

A perda da Ceron (Centrais Elétricas de Rondônia) foi de 37,04%. Em relação a 1999, primeiro ano desse mecanismo de subsídio, as perdas das três principais concessionárias da Região cresceram. O relatório do TCU estima que a perda correspondeu a mais de R$ 1 bilhão no ano passado.

As perdas de energia e os desvios de combustível são apenas alguns aspectos do problema. O relevante é que os custos com esse sistema crescem em termos exponenciais. O Brasil gastou R$ 488,1 milhões com subsídios em 1999 e R$ 3,1 bilhões no ano passado. Além disso, as termelétricas a diesel e a óleo combustível são altamente poluidoras.

O País precisa urgentemente substituí-las por outras fontes de energia. É incompreensível que a construção do linhão que vai ligar a Hidrelétrica de Tucuruí a Manaus e a Boa Vista não esteja entre os investimentos prioritários do governo para este ano. Também é incompreensível que o linhão que interligará o Acre e Rondônia com o resto do País não esteja. Com essas duas obras, os gastos da CCC seriam reduzidos em 84%, segundo estimativa da Eletrobrás.

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