Título: Um mapa das andanças humanas
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Vida&, p. A17

Começa hoje, ao redor do mundo, um gigantesco projeto de pesquisa genômica que tentará resgatar a história da colonização humana por meio de informações contidas no DNA. Cientistas espalhados pelos cinco continentes deverão analisar, nos próximos cinco anos, a herança genética das células de aproximadamente 100 mil indivíduos, membros de populações indígenas ou nativas. A proposta é usar o DNA - o chamado "livro da vida" - para contar algo que os livros modernos ainda não são capazes: a história de como, e quando, os seres humanos colonizaram a Terra. "A idéia é coletar amostras de sangue com finalidades exclusivamente históricas, para tentar decifrar temporalmente algumas das primeiras rotas de migração - algo que a história escrita não nos permite fazer", explica o coordenador da pesquisa na América do Sul, Fabrício Santos, professor de genética e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Não há, por exemplo, relato escrito de quando o homem colonizou as Américas, pela simples razão de que não havia linguagem escrita naquela época. Para contar essa história, os pesquisadores dependem do estudo de vestígios fósseis, arqueológicos e, mais recentemente, de DNA.

O Projeto Genográfico, como foi batizado, é chefiado pela National Geographic Society e pela IBM, com financiamento da Waitt Family Foundation. O investimento inicial é de US$ 12 milhões. O trabalho será coordenado a partir de dez centros regionais, entre eles o da UFMG, onde será feito o seqüenciamento e a análise de DNA das populações sul-americanas e de parte da América Central.

A investigação baseia-se na comparação de diferenças e semelhanças na herança genética de indivíduos e populações. "É como um teste de paternidade. Só que em vez de contar a história de duas gerações - pai e filho -, você conta a história de várias gerações", compara Santos. Além das comunidades indígenas, que ainda precisam ser selecionadas, qualquer pessoa interessada em participar poderá enviar amostras de DNA para o projeto. Para isso, será preciso adquirir um kit para coleta de células de bochecha, que pode ser encomendado online por cerca de US$ 100. O processo não é nada doloroso: basicamente, um cotonete que se esfrega no interior da boca. A partir daí será possível acompanhar a evolução de sua linhagem familiar ao longo da pesquisa.

"As doações serão completamente anônimas, identificadas apenas por um número", diz o matemático e especialista em estatística Sahaorn Rosset, da IBM. Os resultados da pesquisa, por outro lado, serão totalmente abertos. "Tudo que sair desse projeto será público; não há lucro envolvido e nada será patenteado", garante Rosset. "Os dados estarão completamente disponíveis, tanto para os pesquisadores quanto para o público em geral."

Santos garante também que nenhuma amostra biológica sairá do Brasil. Antes que o trabalho possa ser iniciado no País, entretanto, será preciso obter a aprovação das autoridades nacionais, que incluem a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), além das lideranças indígenas das etnias escolhidas para o estudo.

Aquelas que aceitarem participar poderão se beneficiar dos dados públicos do projeto e de uma segunda etapa do trabalho, conhecida como Projeto Legado, que levará programas educativos e culturais às comunidades. A idéia é repassar o conhecimento produzido pela pesquisa e, com isso, reforçar a identidade histórica dessas etnias. "As populações indígenas vão ter um retorno", afirma Santos. Mais detalhes poderão ser obtidos no site www.nationalgeographic.com.