Título: Apesar do governo, as exportações avançam
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

Há cerca de dois anos, dizia-me um grande produtor e exportador de soja e algodão: "Até a porteira, tudo vai muito bem. A produtividade evolui ano a ano, a qualidade dos equipamentos e das sementes, igualmente. Mesmo as eventuais intempéries são tratadas com mais eficiência. Entretanto, da porteira para fora, aí começa o problema, o martírio do exportador." E ele tem toda a razão. Falou-se e ainda se fala muito em "custo Brasil", mas muito pouco, ou quase nada, foi feito. A malha ferroviária para transporte de mercadorias é ineficiente. As estradas por este Brasil afora são um desastre, o que fica evidenciado em recente estudo do IBGE. Segundo esse respeitado instituto, o Brasil perde cerca de 13% dos grãos que produz, a maioria pelo derramamento durante o transporte.

"Quando chegamos no porto", lembra o fazendeiro, "temos de enfrentar novo drama. Longas filas, dias de espera, pois faltam até contêineres. E, quando o navio ruma em direção ao alto-mar, aí a preocupação fica por conta da burocracia local e da expectativa de que esse trabalho todo dê, ao final do dia, algum resultado financeiro compensador."

Não é por outra razão que um grupo de 23 associações empresariais emitiu, recentemente, manifesto contra a baixa cotação do dólar. O real foi uma das moedas que mais se apreciou em relação à moeda norte-americana, criando problemas de toda ordem para aqueles que dependem do câmbio para remunerar adequadamente seu capital. E o mais curioso disso tudo é que, apesar de todos esses problemas, de o governo ajudar pouco e atrapalhar demais, as exportações continuam evoluindo. Até a quarta semana de abril deste ano já exportamos mais de US$ 30 bilhões, gerando superávit comercial de mais de US$ 11 bilhões nesse mesmo período.

Onde está, pois, o "milagre"? Todos reclamam do "custo Brasil", da cotação do dólar, mas as exportações vão de vento em popa, muito melhor do que os mais otimistas poderiam esperar.

Em primeiro lugar, o "milagre" está no fato de a economia mundial continuar crescendo. Pouco menos do que em 2004, mas assim mesmo a ritmo bastante saudável. Dada essa realidade, os preços das commodities, em geral, estão bastante favoráveis e fomos capazes de aumentar tanto volumes quanto preços dos produtos manufaturados. No primeiro trimestre de 2005, as vendas, em volume físico, cresceram 30% e os preços, nada desprezíveis 11%. Esse desempenho compensa, em parte, a perda dos exportadores quando convertem seus dólares em reais e faz com que a economia não sofra maior desaceleração. É o setor privado fazendo o Brasil crescer, enquanto o governo, naquilo que lhe é devido - investimentos em infra-estrutura -, anda devagar e, o que é pior, joga contra, com suas políticas monetária e cambial equivocadas.

Como a prioridade absoluta do governo é tentar atingir a incansável meta de inflação de 5,1% para 2005, a autoridade monetária coloca nossos juros nas alturas, inibindo o consumo e o investimento. Depois de sucessivos aumentos, trouxe os juros de 16% para 19,5% ao ano, tornando-os os mais elevados do mundo. E mesmo assim a inflação continua em alta, devendo ficar muito mais próxima de 6% em 2005 que dos 5,1% buscados pelo Banco Central.

Constatado que a política monetária em vigor está fracassada, pois não impedirá que a inflação fique acima do que o Copom pretende, o governo passou a utilizar-se do dólar para tentar alcançar essa meta irreal, com custos elevados, a curto e longo prazos, para a sociedade e para o País. Na medida em que deixou o real apreciar-se demasiadamente via ingresso de capital especulativo externo, busca, apenas, baratear o custo das importações para fazer com que a inflação não fique pior do que já está. Pouco importam às autoridades as distorções que estão criando e que, dia mais, dia menos, terão de ser ajustadas. O ex-ministro Mario Henrique Simonsen insistia em afirmar que, "enquanto a inflação aleija, o câmbio mata". Os acadêmicos do governo, entretanto, não acreditam na voz da experiência. Querem pagar para ver, à nossa custa.

Assim, as autoridades de Brasília assistem passivamente a uma enxurrada de dólares (quase US$ 10 bilhões nestes primeiros meses do ano) entrando no Brasil, para arbitrar contra as altas taxas de juros locais. Não mais interferem no mercado, comprando esses dólares especulativos para reforçar nossas reservas internacionais, embora saibam que esse dinheiro só ficará por aqui enquanto for conveniente. As empresas locais, sabedoras de que temos um câmbio irreal, deixaram de ir buscar recursos no mercado internacional via lançamento de bônus, pois sabem que, um dia, o nosso real terá de desvalorizar-se e elas não querem, acertadamente, pagar esse custo.

Como não há outra solução, os exportadores continuam a desempenhar seu papel. As margens de lucro estão sendo afetadas, alguns setores já estão praticamente fora do mercado, por causa de prejuízos contabilizados. Felizmente, entretanto, a grande maioria continua exportando agressivamente, aguardando que, um dia, o governo também passe a ser parceiro. Que as Parcerias Público-Privadas melhorem as condições de infra-estrutura - para que o desperdício seja menor - e o "custo Brasil" caia para níveis aceitáveis. E que o câmbio, vital para o crescimento das exportações, deixe de ser "moeda" de combate à inflação e passe a ser instrumento de apoio às nossas vendas internacionais