Título: O dinamismo de voltaDe quem é a conta
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Notas e Informações, p. A3

O fato de mais da metade da força de trabalho do País estar excluída do sistema previdenciário e da proteção da legislação trabalhista é o argumento mais poderoso em favor de profundas reformas nessas áreas. Sem elas, a informalidade tenderá a crescer, pois as regras atuais a estimulam. Isso agravará o problema de perda de receita da Previdência e armará uma bomba de tempo na área social, pois no futuro boa parte dos que hoje trabalham sem o recolhimento dos tributos devidos por eles e por seus empregadores receberá os benefícios dos serviços públicos de saúde e de assistência social sem ter contribuído para sustentá-los.

A fracassada tentativa do por enquanto ministro da Previdência, Romero Jucá, de convencer a sociedade de que com medidas voluntariosas é possível conter drasticamente o déficit do INSS serviu apenas para evidenciar, mais uma vez, que, sem mudanças estruturais na Previdência, o rombo continuará a crescer. Disso estão convencidos técnicos do governo que sabem lidar com números e, por isso, fazem projeções bem mais realistas do que as do ministro para o déficit neste ano e nos próximos.

Mas a falta de clareza a respeito de uma questão técnica tem gerado incompreensões e, sobretudo, equívocos a respeito do que, efetivamente, precisa ser reformado no sistema previdenciário e de como se repartirão os custos da reforma. Trata-se da distinção entre o que os especialistas chamam de "benefícios previdenciários", que são pagos com as contribuições que o cidadão recolhe durante sua vida profissional ativa, principalmente para fins de aposentadoria e pensão, e os "benefícios assistenciais", aqueles prestados pelo sistema previdenciário sem que tenha havido a contrapartida da contribuição. Alguns especialistas, como os economistas Raul Velloso e Fábio Giambiagi, vêm procurando esclarecer essa questão, ainda obscura para a maioria dos que contribuem para o sistema previdenciário e para os contribuintes.

É claro que distinguir uma forma de benefício da outra não alterará em um centavo sequer as necessidades de financiamento do sistema previdenciário. Mas, uma vez feita essa distinção, se saberá que parcela dos brasileiros contribuirá, e com quanto, para o pagamento deste ou daquele benefício. Do ponto de vista político, esta é uma questão relevante, pois a majoração dos benefícios assistenciais, ou a criação de novos, não mais poderá ser jogada no poço sem fundo da Previdência, exigindo dos parlamentares a definição das fontes de recursos correspondentes às despesas.

Nas contas de Raul Velloso, em 1987, um ano antes da promulgação da Constituição, os benefícios pagos pelo INSS, e que incluíam uma pequena parcela de benefícios assistenciais, representavam 18,8% da despesa primária (que exclui os juros da dívida) do governo federal, enquanto os investimentos e os gastos de custeio respondiam por 50,7%. Menos de duas décadas depois, a situação era inversa: a fatia correspondente às despesas de custeio e capital caiu para 17,4% e a da despesa previdenciária e assistencial subiu para 42%.

Mais de metade dos custos dos benefícios assistenciais instituídos a partir da promulgação da Constituição recai diretamente sobre as contas do INSS. Entre os benefícios está a aposentadoria de trabalhadores rurais e dos idosos, tenham eles contribuído ou não. Não se trata aqui, é bom ressalvar, de questionar a importância desse benefício para aqueles que o recebem e para as comunidades em que vivem. Ele tem um papel social e econômico destacado. Estudos mostram que o benefício foi pago, predominantemente, para pessoas que vivem na zona rural e contribuiu para reduzir o nível de pobreza no campo. Em mais da metade dos municípios brasileiros, a renda com aposentadorias supera o valor das transferências constitucionais para as respectivas prefeituras. Não há dúvida, pois, de que esses benefícios estão entre as políticas públicas mais eficientes no combate à miséria.

Mas é preciso deixar claro para a sociedade o real custo de programas desse tipo, porque é ela quem os sustenta. Quando esse tipo de despesa entra na conta do INSS, tudo se passa, aos olhos da maioria da população, como se fosse um problema exclusivo do contribuinte ativo do sistema previdenciário, quando, na verdade, é de todos os brasileiros.