Título: Blair decidiu depor Saddam 8 meses antes, indica jornal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Internacional, p. A10

Documento divulgado pelo 'Sunday Times' mostra que, em julho de 2002, líder discutiu mudança de regime LONDRES - Um documento secreto do círculo íntimo do governo britânico divulgado ontem pelo jornal The Sunday Times revela que o primeiro-ministro, Tony Blair, comprometeu confidencialmente a Grã-Bretanha com a guerra no Iraque oito meses antes do conflito e então tratou de forçar Saddam Hussein a fornecer a justificativa legal. Segundo o Sunday Times, as minutas de Downing Street, com o cabeçalho "Secreto e estritamente pessoal - restrito à Grã-Bretanha", detalham uma das reuniões mais importantes antes da invasão do Iraque. A reunião foi presidida pelo primeiro-ministro e assistida por seu círculo íntimo. O documento, vazado às vésperas das eleições parlamentares de quinta-feira, revela que Blair defendeu desde o início a "mudança de regime" à força, apesar de advertências do lorde Goldsmith, o procurador-geral, de que a ação poderia ser ilegal.

As minutas publicadas pelo jornal começam com a advertência: "Este registro é extremamente sensível. Não devem ser feitas outras cópias. O documento só deve ser mostrado aos que têm uma necessidade genuína de saber."

O documento registra uma reunião de 23 de julho de 2002 assistida por chefes militares e de inteligência na qual Blair discutiu opções militares depois de já ter se comprometido com o apoio aos planos do presidente dos EUA, George W. Bush, de derrubar Saddam.

"No contexto político certo, as pessoas apoiariam a mudança de regime", disse Blair. Ele acrescentou que as questões fundamentais eram "se o plano militar funcionaria e se tínhamos a estratégia política para dar espaço ao plano militar para que ele funcionasse".

A estratégia política, segundo o Sunday Times, traduziu-se em argumentar que as armas de destruição em massa (ADM) do Iraque representavam uma ameaça que tornava necessária a ação militar. No entanto, na reunião de julho, Jack Straw, o ministro do Exterior, afirmou que a argumentação em favor da guerra era "fraca", pois "Saddam não estava ameaçando seus vizinhos e sua capacidade de ADM era menor que a da Líbia, Coréia do Norte ou Irã".

Straw sugeriu a "elaboração" de um ultimato sobre inspetores de armas que "ajudaria na justificativa legal". Blair, segundo o documento, disse que "faria uma grande diferença, política e legalmente, se Saddam se recusasse a permitir a entrada dos inspetores da ONU".

Um outro registro secreto da reunião citado pelo jornal britânico disse que a Grã-Bretanha e os EUA tinham de "criar" condições para justificar uma guerra.

De acordo com o jornal, os documentos, que representam o segundo vazamento crítico às vésperas das eleições britânicas, parecem ser uma tentativa de funcionários descontentes de questionar a integridade de Blair. As novas informações provavelmente alimentarão as acusações de que ele enganou o país sobre o Iraque.

Uma razão para o caráter secreto é que as minutas registram discussões de planos de invasão dos EUA; outra é que, na época, Blair não havia fornecido nenhum indício de que os planos estavam tão avançados.

Ele não revelara aos parlamentares ou ao público que havia dito a Bush, em abril de 2002, que "a Grã-Bretanha apoiaria a ação militar dos EUA para provocar a mudança de regime", como registrado no documento do Ministério do Exterior. Tanto antes quanto depois da reunião de julho, Blair insistiu em público que nenhuma decisão fora tomada.