Título: Hora de cambiar o câmbio
Autor: Germano Rigotto
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Economia, p. B2

Descrevo o que vejo, e o que vejo não me agrada. Nos últimos cinco anos, a participação brasileira no fluxo dos investimentos produtivos externos para os países em desenvolvimento caiu de 15% para 7%. Nos dois primeiros meses deste ano, houve um empate de dois a dois na relação entre os investimentos financeiros e os investimentos produtivos oriundos do exterior. Foram US$ 2 bilhões aplicados na produção e US$ 2 bilhões aplicados no mercado de capitais. Isso é mau sinal e a causa principal está na instabilidade do câmbio. Investidores, nacionais ou estrangeiros, querem estabilidade. Nada afeta tão diretamente planos de investimento quanto a turbulência, seja política, social, fiscal ou cambial. É altamente improvável que os investidores que correm para o mercado chinês estejam seduzidos pelo modelo político do país. O que os atrai é a estabilidade que presumem existir nos padrões atualmente adotados naquela nação. No Brasil, quando conseguimos dissipar os nevoeiros da instabilidade política, o horizonte se turva novamente com a borrasca da excessiva valorização do real em relação ao dólar.

Tivéssemos um poderoso mercado consumidor interno, compatível com a população de 180 milhões de pessoas, talvez pudéssemos prescindir em parte das nossas exportações para geração de postos de trabalho e atração de investimentos. Infelizmente, não é assim. Nossa capacidade produtiva precisa do mercado externo tanto quanto precisamos do ar que respiramos. E o câmbio funciona como um respirador artificial para manter em funcionamento os órgãos vitais da economia e da sociedade brasileiras. É impossível operá-lo despressurizado, porque quando isso ocorre - e está ocorrendo - não são apenas os investidores externos que refluem, mas são os próprios investidores nacionais que suspendem seus projetos ou se bandeiam para outras paragens, onde a brisa for mais suave. E não podemos culpá-los por uma conduta que tem causas visíveis.

Quais são elas? Por que o dólar atinge patamares tão baixos, num decréscimo que supera, em muito, a desvalorização ocorrida em relação a outras moedas? Será apenas o mercado agindo de modo suicida nessa direção ou se trata de reação a fatores bem determinados?

Estou convencido de que nisso, como em tudo mais, o mercado mais reage do que age. E ele reage a um desequilíbrio muito acentuado entre nossas exportações e nossas importações, porque, se houvesse maior saída de dólares em virtude das aquisições nacionais, a balança buscaria outro ponto de equilíbrio. O mercado reage à exigência imposta ao exportador de entregar seus dólares ao Banco Central num prazo certo, o que aumenta a disponibilidade da moeda. E o mercado reage à excessiva taxa de juros, esse instrumento de política monetária que vem sendo catapultado pelo Conselho de Política Monetária (Copom) a níveis paradisíacos para o capital especulativo.

Iludem-se as autoridades federais com os atuais indicadores das nossas exportações e saldos da balança comercial. Estamos contemplando os estertores de um ciclo favorável às contas nacionais, mas altamente danoso para as contas das empresas exportadoras. Elas estão cumprindo contratos com prejuízos fatais a seus balanços, seu capital de giro, sua capacidade de expansão e que, em etapa final, farão refluir o próprio mercado de trabalho. Como é possível a uma empresa fechar contratos de exportação com dólar cotado a R$ 3,20 e formalizar a entrega com essa moeda sendo cambiada a 20% menos? Que empresa pode arcar com semelhante ônus? E ainda mais grave: como pode uma empresa adequar seus custos em real a esse ínfimo patamar cambial para fechar novos contratos?

Está mais do que na hora de cambiar o câmbio. O Rio Grande do Sul é o maior exportador per capita do Brasil, num patamar que fica 30% acima do Estado que vem em segundo lugar. Nossos produtos e nossas empresas, em diversos ramos de atividade, mantêm larga tradição de competitividade e qualidade perante os mais exigentes mercados mundiais. E os danos que a atual situação cambial está impondo às nossas empresas superaram, em muito, os limites da suportabilidade. Se o governo federal não agir, os números de crescimento econômico, emprego e renda que vêm sendo apresentados como alvissareiros pelos altos escalões da República também vão cambiar.