Título: Reunião em Paris pode retomar discussão da Alca
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Economia, p. B5

Encontro entre Amorim e o representante de Comércio americano, Rob Portman, deve reativar negociações em torno do acordo, agora sem urgência ou pressões WASHINGTON - O encontro que o chanceler Celso Amorim terá com o Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR), Rob Portman, à margem da reunião da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que começa hoje em Paris, deverá ser suficiente para permitir a retomada das negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), malparadas desde fevereiro do ano passado. Uma diferença significativa entre a nova fase dos entendimentos e as etapas anteriores é que, agora, não há pressa por um acordo. "O importante é negociar e ir avançando", disse ao Estado uma alta fonte americana. De fato, o reinício das conversações, esperado para as próximas semanas, acontecerá num ambiente transformado. Uma das mudanças é o claro aumento, nos últimos meses, do número de simpatizantes da Alca no Brasil em importantes setores empresariais. Outra, não menos importante, é a deterioração do clima político para a discussão de esquemas liberalização do comércio nos EUA, provocada em parte pela explosão do déficit comercial americano.

Em sua primeira declaração depois de assumir o comando do USTR, na sexta-feira, Portman citou seu encontro com Amorim, mas não fez qualquer referência à Alca e enfatizou a Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC) como a prioridade central da política comercial americana.

Segundo fontes oficiais, a declaração de Portman significa que, livre do ônus político de ter de explicar ao continente a demora da Alca - mesmo porque o acordo regional terá cada vez menos adeptos entre os países da região à medida em que estes tiverem tratados bilaterais e plurilaterais ativos com os EUA, como o Cafta, com a América Central -, a administração passou a ver a finalização da Alca como um projeto importante para sua política hemisférica, mas complementar à sua estratégia de comércio exterior. Ou seja, a conclusão do acordo da Alca acontecerá depois da finalização da Rodada Doha. Esta visão, que ex-chefes do USTR previram em declarações recentes, corresponde à posição que o Brasil manteve sobre a Alca na administração de Fernando Henrique Cardoso e que o governo Lula parece disposto agora a adotar, depois de ter permitido que a ala nacionalista do Itamaraty tentasse detonar o acordo.

Ninguém se surpreenderá, em Washington, se esse grupo fizer novas investidas nesse sentido. A diferença, segundo um alto funcionário, é que, agora, se isso acontecer, a reação virá dos empresários e da mídia brasileira. Visto de Washington, o panorama para a evolução das conversações sobre a Alca parte de dois pressupostos: a renovação, no mês que vem, por dois anos, da Autoridade de Promoção Comercial, que manterá o mandato do executivo americano para negociar acordos, e a ratificação do acordo do Cafta pelo Congresso dos EUA, o mais tardar em julho.

Até lá, os vice-ministros dos 34 países membros da Alca terão traduzido o compromisso acertado em Miami, para fatiar o acordo, em instruções concretas aos nove grupos de trabalho encarregados de negociar os detalhes e elaborar o projeto do acordo regional. No segundo semestre, provavelmente pouco antes da Cúpula das Américas, marcada para novembro, na Argentina, o Brasil hospedará uma reunião ministerial da Alca para avaliar os avanços. A expectativa é que, até lá, as negociações sobre a Rodada, em Genebra, produzam resultados suficientes para garantir um avanço na reunião ministerial da OMC, em Hong Kong, em dezembro deste ano. Nesse cenário, um acordo sobre a Rodada seria alcançado no primeiro semestre de 2006. Os compromissos alcançados em temas complicados como subsídios agrícolas, propriedade intelectual, antidumping, seriam incorporados à Alca, e a negociação regional caminharia para uma conclusão satisfatória.