Título: Argentina: nova ofensiva na guerra dos calçados
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Economia, p. B5

Secretário do Comércio anuncia 'medidas técnicas' contra importações do Brasil BUENOS AIRES - Clássico dos conflitos comerciais entre Argentina e Brasil, a guerra dos calçados - que se prolonga desde 1996 com ocasionais tréguas - pode ser retomada pelo governo argentino daqui a um mês. O anúncio da iminente ofensiva contra os calçados brasileiros foi feito pelo Secretário de Indústria e Comércio da Argentina, Miguel Peirano, homem de profundos vínculos com a União Industrial Argentina (UIA), reduto dos pedidos protecionistas antibrasileiros. Peirano declarou que o governo do presidente Néstor Kirchner aplicará uma série de "medidas técnicas" sobre as importações de calçados provenientes do maior sócio do Mercosul caso seja necessário brecar o que denominou de "agressão", ou seja, o aumento da entrada de sapatos brasileiros na Argentina.

As medidas, que não foram detalhadas por Peirano e seriam postas em prática nos próximos 30 ou 40 dias, também se aplicariam às importações de calçados chineses. Apesar disso, a artilharia principal argentina, no entanto, está direcionada contra os empresários brasileiros.

Peirano sustentou que no ano passado as companhias do país vizinho exportaram para o mercado argentino "três a quatro milhões de pares de sapatos acima da cota". Segundo o secretário, os empresários brasileiros não cumpriram o acordo e permitiram um aumento significativo das vendas ao mercado argentino.

A cota à qual refere-se o secretário trata-se de um suposto "acordo de cavalheiros" que segundo os calçadistas argentinos, teria sido fechado no ano passado, determinando que o Brasil teria de autolimitar suas vendas e não ultrapassar uma faixa de 13 milhões de pares. Representantes brasileiros do setor de calçados afirmam que nunca houve tal pacto, e que a faixa de 13 milhões era apenas uma estimativa.

Na semana passada, os calçadistas argentinos afirmaram que o plano dos empresários do Brasil é vender 18 milhões de pares neste mercado. Eles afirmam que o volume ideal para que a indústria argentina não fosse depredada pelo Brasil seria o de, no máximo, 10 milhões de pares anuais.

Em um comunicado, a Câmara da Indústria do Calçado (CIC) disse que se a invasão brasileira continuar, "podemos concluir que estamos às portas do fim da indústria argentina de calçados". Segundo os argentinos, as importações de calçados brasileiros aumentaram 15% no primeiro trimestre deste ano.

O pedido para a aplicação de medidas de proteção contra os calçados brasileiros foi feito dias atrás pela CIC. Seus representantes reuniram-se com o presidente Kirchner e o ministro da Economia, Roberto Lavagna. Peirano afirmou que no encontro Kirchner disse ter "a firme vontade" de resguardar o mercado interno e a indústria nativa contra as importações brasileiras.

O presidente argentino é famoso por deixar esperando empresários de grandes multinacionais em visita a Buenos Aires, faltar a reuniões de cúpula presidenciais sul-americanas e de se ausentar de encontros programados com líderes mundiais, tal como o presidente russo, Vladimir Putin (que o esperou inutilmente durante meia hora no aeroporto de Moscou no ano passado). Mas o presidente sempre atende sem delongas os integrantes da UIA.

Para Kirchner, tomar medidas protecionistas é uma forma de obter mais votos nas decisivas eleições parlamentares de outubro. Na semana passada, o novo presidente da UIA, o empresário Héctor Méndez, em seu discurso de posse, acusou o Brasil de ter uma atitude de hostilidade com a Argentina por causa dos fundos que destina, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para investimentos de empresas brasileiras dentro do território argentino.

CONTAMINAÇÃO

O Secretário de Relações Econômicas Internacionais, Alfredo Chiaradía, declarou que os conflitos comerciais não contaminam a agenda do Mercosul. Segundo ele, a demanda argentina é a de "procurar uma menor assimetria comercial" com o Brasil. "O Brasil avaliará se é possível fazê-lo ou não", disse. Suas principais expectativas estão concentradas na próxima reunião de cúpula de presidentes do Mercosul, que será realizada na capital paraguaia, em meados deste ano. "Vai acontecer um avanço...Não sei se vamos abrir o champanhe neste ano, mas tampouco teremos crise."

O jornal Página 12 informou que estava previsto para este fim de semana em Washington uma reunião do chanceler argentino, Rafael Bielsa, com diversos embaixadores de seu país, entre eles os dos países membros do Mercosul, Aladi, OEA, EUA e Europa.Os homens mais influentes na chancelaria teriam discutido a relação da Argentina com o Brasil, além da situação da América do Sul.