Título: Um plano perigoso
Autor: Antonio P. Mendonça
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Economia, p. B7

Ao longo dos últimos dias tem sido cada vez mais freqüente se ouvir falar num plano de salvamento das operadoras de saúde privadas em dificuldades financeiras. A idéia seria o aporte de dinheiro do BNDES e do Banco do Brasil em condições favoráveis ou subsidiadas, para recompor a capacidade de operação destas empresas, várias delas profundamente debilitadas em razão dos maus resultados nos últimos anos. A idéia pode parecer boa, mas tem tudo para não ser. Os grandes problemas dos planos de saúde privados são a lei que regula a matéria e a atuação demagógica da Agência Nacional de Saúde (ANS) nos reajustes dos planos individuais. Como estes problemas não podem ser resolvidos apenas com injeção de dinheiro, colocar dinheiro bom num negócio ruim tem tudo para ser um tiro no pé, ou para incentivar a ineficiência de um sistema que tem forte conotação social, mas que precisa andar sozinho, por conta da competência dos operadores e de uma regulamentação realista, que permita a viabilidade econômica das empresas, concomitantemente ao atendimento da população.

Em primeiro lugar, é preciso se ter claro que não existe apenas um tipo de operadora de planos de saúde. Em segundo, que nem todas estão perdendo dinheiro. Em terceiro, que várias delas estão mal das pernas por conta de falta de capacidade de gestão e não apenas porque o setor vai mal. E, em quarto, mas tão importante quanto os outros, que várias empresas estão passando por dificuldades em função das limitações da lei e do atrelamento de seus custos à inflação, o que é desconsiderar a realidade dos custos de saúde brasileiros.

Criar uma espécie de Proer para os planos de saúde só teria sentido se fossem adotadas pelo menos as mesmas regras que balizaram o programa de salvamento dos bancos, com a transferência da operadora em dificuldade para outra empresa ou grupo capaz de saneá-la e recolocá-la em condições operacionais competitivas, suficientes não apenas para mantê-la viva por mais alguns anos, ou para deixar ricos seus sócios, mas para dar à população a tranqüilidade de estar protegida por uma organização saudável para fazer frente aos compromissos futuros, sem colocar em risco o presente.

Mas mesmo essa idéia precisa ser aprofundada porque as operadoras de planos de saúde não são bancos e várias delas, com dinheiro subsidiado e tudo, não têm a menor condição de sobrevida, ainda que mudando a lei que as atrela a uma situação fora da realidade nacional.

Deixando de lado a capacidade de gestão das operadoras, dando de lambuja que todas são brilhantemente administradas, ainda assim a concessão de créditos subsidiados precisa ser pensada com muito cuidado, porque existe toda uma parte do problema que está diretamente ligada à crise econômica nacional, que, por conta do desemprego e dos altos custos dos planos comercializados após a entrada em vigor da atual lei dos planos de saúde, jogou mais de seis milhões de brasileiros para fora do sistema.

Como se não bastasse, a política de ajuste de preços linear adotada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar não leva em conta as tipicidades de cada plano, o que faz com que os reajustes sejam excessivos para alguns e absolutamente insuficientes para outros, criando distorções enormes e afastando um bom número de empresas dos planos individuais e familiares, que é onde se concentra o problema.

Finalmente, qual será o critério para a concessão do dinheiro subsidiado pelo BNDES e pelo Banco do Brasil? Apenas a dificuldade financeira ou serão considerados outros critérios, como capacidade de sobrevivência a longo prazo? Até agora falta a transparência necessária para a sociedade avaliar se está de acordo em financiar todas as organizações que compõem um sistema que é essencial para ela, ou se, dentro deste quadro, deve ser privilegiado apenas quem mostrar competência, solidez e eficiência operacional para continuar no mercado, ainda que sem mudar a lei e sujeito a reajustes de preços demagógicos.