Título: Crime cai, insegurança permanece
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Metrópole, p. C1

Estatísticas mostram queda da criminalidade violenta, mas aumenta a procura por serviços particulares de segurança "É muito difícil administrar o medo", diz o publicitário Wilson Souza, de 48 anos. Tudo pelo que se passou em fevereiro, quando sua casa foi invadida por ladrões. Primeiro, mataram seu cão com carne envenenada. Amarraram e amordaçaram suas três filhas, sua mulher e o vigia. "Depois do assalto, não tivemos sossego. Só ficamos aliviados com a prisão dos ladrões." Souza é um privilegiado. A chance de alguém ser preso em São Paulo após um crime é de apenas 5%. Medo, silêncio e falta de confiança na polícia alimentam a sensação de insegurança, que cresce enquanto a criminalidade violenta diminui. Em 2004, São Paulo registrou -18% de homicídios, -15% de latrocínios, -5% de seqüestros, -6% de roubos e -5% de roubos de veículos, em relação a 2003. O problema é que os índices ainda são muito altos. As delegacias da cidade registraram 415 roubos por dia no último trimestre de 2004, número que pode ser ainda maior se for levado em conta que só 27,1% das vítimas de ladrões procuram a polícia para denunciar o crime sofrido.

ALARMES

O aumento do pânico causado pelos seqüestros relâmpagos, arrastões em prédios, seqüestros e roubos em semáforos e em casas pode ser medido ano a ano pela procura de serviços particulares de segurança. "Essa síndrome do medo contribui muito para a procura por nossos serviços", diz José Jacobson Neto, presidente do Sindicato das Empresas de Segurança de São Paulo. No ano passado, a venda de serviços com alarmes, câmeras e monitoramente eletrônico cresceu 10%. A procura pelos chamados guarda-costas aumentou 3%.

Mas, afinal, o paulistano exagera ao ter medo de viver na cidade? Não. Segundo o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, é cedo ainda para a população recuperar-se do temor. "Os roubos ainda não diminuíram suficientemente. A enchente saiu do telhado, mas continua na janela do 2.º andar."

Além disso, falta o poder público adotar ações que tornem visíveis a recuperação da ordem pública, como o fim das pichações, dos flanelinhas e a recuperação do espaço urbano. "A percepção de insegurança é maior ainda entre a classe média e alta, as que têm menos chance de ser vítimas da violência, concentrada na periferia da cidade", afirma o coronel.

De fato, a chance de alguém ser morto num roubo é de 0,06% na cidade de São Paulo. Segundo o coronel, a maioria dos 767 homicídios ocorridos na cidade foi registrada em bairros da periferia e não em bairros centrais, onde serviços de segurança são oferecidos. "Essas pessoas da classe média são atraídas por empresas que vendem Gelol para o medo."

A insegurança que mudou a vida da advogada Nina Dal Poggetto era, no entanto, bastante real. Ela e sua filha, Patrícia, de 31 anos, só andam com seguranças. A decisão foi tomada em 1992, quando três homens tentaram seqüestrar Patrícia. O cuidado com a segurança, no entanto, não é garantia de manter os bandidos afastados. No início do ano, sua casa sofreu uma tentativa frustrada de assalto - um dos cães de Nina foi morto pelos ladrões.

O coronel aponta ainda um último culpado pela sensação de insegurança da população: a transformação da violência em entretenimento feito por alguns meios de comunicação. "Mas é preciso também saber que São Paulo é o único Estado brasileiro em que o número de homicídios está caindo. Se não, fica difícil sentir-se seguro."

TRAUMAS

O medo pode ser medido pelas marcas que os crimes deixam em suas vítimas. A experiência de passar por um seqüestro ou por seqüestro relâmpago pode causar o chamado transtorno de estresse pós-traumático.

"O transtorno é grave, pois pode incapacitar, impedindo as pessoas de trabalharem e de se relacionarem afetivamente", diz o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos, coordenador do Grupo Operativo de Resgate da Integridade Psíquica (Gorip), do Hospital das Clínicas. Seu grupo já atendeu 150 pessoas vítimas de seqüestros e de seqüestros relâmpagos na cidade nos últimos três anos.