Título: Central do Brasil completa 150 anos
Autor: Carolina Iskandarian
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2005, Metrópole, p. B2

Construída a partir da destruição da Igreja de Santana, em 1855, a estação simboliza o progresso do Rio RIO - Muitos fiéis foram contra, mas a Igreja de Santana foi demolida em 1855 para que ali surgisse a estação de trem D. Pedro II, mais conhecida como Central do Brasil, no coração do Rio. Em maio, a gare e a linha férrea - a maior da América Latina na época - comemoram 150 anos. A Central foi cenário de filme, palco do último comício presidencial antes da ditadura militar, em 1964, e tem o mais alto relógio de quatro faces do mundo. Por ela passam cerca de 600 mil pessoas por dia. A história da linha férrea que uniu, pela primeira vez, as três províncias mais prósperas do Império - Rio, São Paulo e Minas - começou com a criação da Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II. Foi ela quem deu início à construção da gare, em 1855, e da via que ultrapassou as divisas do Rio.

A viagem inaugural da linha férrea ocorreu em 1858 (para alguns historiadores, só em 2008 se comemoram os 150 anos), partindo da Central até Queimados, na Baixada Fluminense, em um percurso de 47 quilômetros. "O imperador d. Pedro II e sua família viajaram na locomotiva chamada Brasil", contou o engenheiro ferroviário Helio Suêvo Rodriguez, autor do livro A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro. O Resgate da Sua Memória. A frota inicial não deixou a desejar: 10 locomotivas, 40 vagões de passageiros e 100 de carga.

Com a República, a partir de 1889, a cidade se expandiu. "Foi a partir da estação da Central que começou a ocupação dos subúrbios e surgiram os municípios vizinhos. As fazendas foram loteadas, seus terrenos perto da via férrea se valorizaram e viraram moradias", afirma o historiador Milton Teixeira.

Ele ressaltou a ousadia do projeto. "Foi a visão do progresso colocar uma igreja abaixo. A Central definiu o crescimento do Brasil e até hoje os trens trazem a mão-de-obra que abastece o comércio e a indústria", diz ele. Na gare, uma pequena capela faz homenagem à Santana.

ART DÉCO

Inaugurado em 1943, o atual prédio da Central mantém estilo art déco e abriga um majestoso saguão com 2.250 m2. Nele, pessoas andam a passos largos, sempre apressadas e com o R$ 1,65 da passagem na mão. Moderna, a gare tem supermercado, lanchonetes, charutaria e quiosques de perfume e bijuteria.

Mas o charme da Central está no relógio que ostenta no alto da torre de 110 metros e virou cartão-postal. As quatro faces do relógio, que ocupa 4 dos 30 andares do prédio, podem ser vistas de vários ângulos. O técnico em eletrônica Edil Manoel Melo Malafaia, de 48 anos, carrega há 18 a responsabilidade de manter os moradores do Rio sempre no horário. É ele quem cuida do relógio mais visto da cidade. "É um trabalho bacana, porque você está contribuindo para que as pessoas não cheguem atrasadas", disse.

Para manter a pontualidade, Malafaia consulta o Observatório Nacional, onde uma gravação dá a hora certa. A manutenção das engrenagens é feita uma vez por semana e Malafaia se diz feliz por ter quatro vistas no "escritório": a da Praça da Bandeira, a do Campo de Santana, a do Cais do Porto e a do Palácio Duque de Caxias.

O maquinista Luiz Montese da Silva, de 56 anos, conhece como ninguém os meandros dos trilhos por onde conduz os trens, há 33 anos. "Amo meu trabalho porque não tenho rotina. Cada dia é uma viagem diferente." Com orgulho, fala dos amigos que fez ao longo das estações. "Alguns passageiros fazem festa de aniversário nos vagões e me trazem bolo."

A concessionária Supervia é quem administra os 6 ramais (um não eletrificado), 89 estações e 565 quilômetros de malha ferroviária. Atende a 11 dos 20 municípios da região metropolitana. "Só pela estação da Central passam 600 mil pessoas por dia. Dessas, 70 mil usam o trem", disse Regina Amélia Oliveira, diretora de Desenvolvimento da empresa.

A Central é um pólo que concentra multidões por estar interligada a dois terminais rodoviários e um metroviário, além do trem. Localizado ao lado do Palácio Duque de Caxias (antigo Ministério da Guerra), às margens da Avenida Presidente Vargas, uma das mais movimentadas do centro, e em frente da Praça da República, seu prédio pertence ao Estado. Abriga secretarias, como as de Segurança Pública e de Administração Penitenciária, e uma delegacia. Apesar disso, não está longe de problemas. Tem como vizinho o Morro da Providência e os freqüentadores reclamam dos assaltos na área. "Já fui assaltada três vezes aqui. Em uma delas, nem vi quando levaram minha bolsa", disse a doméstica Jussara Lima, de 48 anos, que usa o trem todo dia.