Título: A história não espera
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Economia, p. B2

No documento que o Centrão do PT divulgou neste final de semana ("Bases de um Projeto para o Brasil") há duas frases grávidas de conseqüência.

Logo na página 3, está dito que, "da Ásia, parte praticamente o mesmo volume de exportações que da Europa. China e Índia investem pesadamente em ciências aplicadas, educação e formação de sua força de trabalho". E o trecho termina com conclusão típica de estado maior: "A China tende a transformar-se numa espécie de núcleo fabril mundial."

Isso significa que a indústria manufatureira tende a transferir-se não só para a China, mas para os países asiáticos. Assim, sabe-se lá o que irá sobrar para nosotros cucarachos latino-americanos. A China tem hoje cerca de 120 montadoras de veículos, algumas delas são as mais tradicionais corporações do mundo. Mas, atrás ou em volta delas, estão dezenas de pequenas montadoras regionais, que se associaram com capitais estrangeiros e montam projetos próprios. A China já é gigantesco pólo siderúrgico, centro petroquímico e grande produtor de eletrônicos, de calçados, têxteis, produtos metalúrgicos e máquinas.

A migração da manufatura é coisa antiga. A indústria de aparelhos domésticos, por exemplo, começou na Europa, onde brilharam as marcas Phillips, Telefunken, Garrard e tantas outras. Depois concentrou-se nos Estados Unidos, com a GE, Frigidaire, RCA, Philco. Mas, na década de 60, transferiram-se para o Japão, onde apareceram Sharp, Mitsubishi, Sony, etc. Agora, deslocam-se para China, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Índia.

Enfim, está em curso nova divisão internacional do trabalho, em velocidade substancialmente maior do que as anteriores. A tecnologia da informação se encarrega da integração global entre produtores e consumidores, o transporte facilita o deslocamento de fábricas inteiras e o capital ignora pátria, calendário e restrições legais.

O Brasil aparece em quase todas as listas dos emergentes de grande futuro. Em 2003, a consultoria financeira americana Goldman Sachs inventou a sigla BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), que designa os quatro emergentes que, segundo ela, em 50 anos deverão ingressar no clube dos países ricos (em tamanho do PIB), ao lado de Estados Unidos e Japão. Segundo esses futurólogos, os BRICs ultrapassarão Alemanha, França, Inglaterra e Itália.

Encabeçar siglas desse tipo é uma honra, mas não constrói nada se o País não se apresentar para o jogo e não se preparar para ele. O padrão do ensino do Brasil é ruim e isso é enorme desvantagem, pois impede avanços de produtividade e qualificação da mão-de-obra para um sistema produtivo que tende a incorporar mais tecnologia.

Outras potências poderão ocupar o espaço que um país vacilante ou míope não ousar ocupar. A simples emergência de quatro novas potências, mesmo que o Brasil não faça parte do grupo, deverá redesenhar a arquitetura econômica do mundo. Os investimentos, por exemplo, tenderão a fluir para os novos centros, como já começaram a fluir para a China e para a Índia. A demanda mundial abrirá novos canais de comércio e as moedas sofrerão enormes realinhamentos. A Goldman Sachs prevê que, em 50 anos, o real se valorizará 130%; a moeda russa, 210%; a da Índia, 280%; e a da China, 290%.

A história não espera retardatários. Se os padrões mundiais de cultura, produção, comércio e consumo vão mudar dramaticamente, é preciso agilidade e vontade política para acompanhar o avanço.

A percepção dos segmentos que compõem o Campo Majoritário do PT de que o Brasil está diante de uma grande oportunidade é um fato alvissareiro. Mas não basta tomar consciência. É preciso avançar e ajudar a preparar o futuro. Isso não se fará sem profundas reformas internas que exigirão liderança e grandeza, qualidades difíceis de localizar no joguinho miúdo do governo Lula.