Título: Indústria alfandegada
Autor: Milton Lourenço
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Economia, p. B2

Todos os que viveram pelo menos os últimos 30 anos do dia-a-dia do cais de Santos concordam num ponto: ainda que as operações portuárias não possam ser comparadas em eficiência com as que se vêem em Roterdã e Hamburgo, são visíveis as melhorias, principalmente a partir de 1993, quando entrou em vigor a Lei n.º 8.630 (de Modernização dos Portos), que tratou de passar para a responsabilidade da iniciativa privada atividades antes restritas ao Estado. É verdade que os preços das operações ainda estão distantes daqueles praticados em portos mais avançados, mas é de reconhecer que houve uma redução de 60% em comparação com aqueles que eram cobrados há uma década. Se as mudanças não ocorrem na velocidade que gostaríamos que ocorressem, é de admitir que pelo menos para os próximos dez anos muitas obras de infra-estrutura deverão estar concretizadas, como a construção das avenidas perimetrais e a instalação de bolsões de estacionamento. Sabe-se, porém, que apenas investimentos em infra-estrutura não resolverão os problemas de gargalos. Será preciso que, ao mesmo tempo, haja um plano diretor que estabeleça diretrizes a longo prazo.

Uma das idéias que se discutem agora é a implantação da indústria alfandegada, que funcionaria sob ótica semelhante ao Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Retroportuário Industrial sob Controle Informatizado (Retincof), ou seja, um regime especial de alfandegamento para a instalação de indústrias em áreas retroportuárias, com a suspensão de impostos de importação para matérias-primas utilizadas em produtos a serem industrializados, desde que destinados à exportação.

Com isso se evitaria que áreas portuárias sejam ocupadas por indústrias, permanecendo inaproveitáveis pelo menos até que as condições exijam a ampliação do porto. Se áreas portuárias estiverem ocupadas por indústrias, claro está que, em algum momento, haverá um estrangulamento do crescimento do porto.

É certo que a concepção do porto-indústria é extremamente atraente, pois por trás da idéia está implícita a criação de empregos, o que justifica o seu aparecimento sempre às vésperas de pleitos eleitorais. Mas é preciso analisar se a idéia é exeqüível, pois, se a região apostar na indústria, de certa maneira vai contrariar sua vocação natural, que é a atividade portuária. Não é difícil que, a longo prazo, a indústria venha a sufocar o porto, impedindo seu crescimento.

Além disso, há outras opções que permitem que a indústria não tenha de estar baseada em áreas portuárias para aproveitar facilidades logísticas. Os chamados portos secos, por exemplo, têm-se mostrado excelente alternativa para minimizar os problemas causados pela falta de infra-estrutura logística, que retiram competitividade do produto brasileiro.

Em razão do congestionamento dos portos, muitos exportadores passaram a utilizar os serviços dos portos secos para armazenar contêineres até a atracação do navio, assim como fazem nas retroáreas. Os contêineres entram no porto marítimo liberados para o embarque, com as operações aduaneiras já concluídas, o que acaba por desafogar o complexo portuário.

Se já existe essa alternativa, é claro que o que falta é a multiplicação de portos secos, idéia que, em última análise, está por trás da concepção da indústria alfandegada, que se aproveita dos benefícios fiscais aduaneiros, de forma virtual, como se estivesse dentro do porto, além das vantagens logísticas decorrentes da proximidade dos locais de operações portuárias de carga e descarga.

Além disso, é preciso que haja por parte da administração portuária mudanças nas estratégias de recepção de cargas nos terminais, principalmente nas empresas que embarcam suas próprias cargas e têm controle sobre sua saída da área de produção, como os açucareiros e os traders agrícolas. Para evitar filas de caminhões, por exemplo, os exportadores deveriam liberar veículos carregados apenas quando a instalação portuária permitisse.

O mesmo raciocínio vale para os terminais de contêineres. Com o aumento da movimentação em 2004, que saltou de 1,56 milhão de TEUs para 1,98 milhão, ou seja, 27,2% a mais, caminhões começaram a fazer fila à porta dos terminais. Tudo isso porque os operadores, exportadores e transportadoras não tiveram o bom senso de acertar um esquema que controlasse a vinda dos produtos.