Título: A Índia e o Brasil em 2020
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

Recente estudo do National Intelligence Council (NIC), instituto de pesquisa vinculado à CIA, nos EUA, projetou para 2020 a emergência da China e da Índia como potências políticas e econômicas globais e comparou esse fato ao surgimento da Alemanha no século 19 e dos EUA no século 20. Nos dias que correm, não há dúvida quanto à crescente influência global da China nos assuntos econômico-financeiros e comerciais. Basta analisar a participação chinesa no comércio internacional, na produção industrial, o efeito da demanda chinesa sobre os mercados de commodities e de energia e a compra de títulos do Tesouro dos EUA.

A evolução da Índia para alcançar o status de potência econômica, contudo, não é tão evidente, pois para poder equiparar-se à China ainda há um longo e árduo caminho a percorrer.

Também o Brasil, no mesmo estudo do NIC, é projetado como uma potência econômica global.

A Índia cresceu em média mais de 5,6% de 1980 a 2003 e projeta crescimento de mais de 5% por ano até 2050; 70% da população vive no campo; o setor externo cresceu 16% em 2004, alcançando cerca de US$ 150 bilhões, 28% do PIB e menos de 1% do comércio mundial; o investimento externo líquido é reduzido, tendo alcançado US$ 3,4 bilhões em 2004; a taxa de poupança efetiva em 2004 foi de 28% do PIB.

Apesar do rápido crescimento dos últimos anos, o que permitiu a redução da pobreza, e a despeito de um cenário político e social doméstico muito complexo, a Índia, sem reformas econômicas e políticas radicais, dificilmente terá o papel que está sendo projetado pelo NIC.

Para alcançar o status de potência econômica global a Índia terá de criar condições para o rápido desenvolvimento do setor industrial, que hoje representa apenas cerca de 28% do PIB, pouco mais da metade do setor de serviços e com desempenho menos dinâmico.

A economia indiana não será capaz de transformar-se numa economia pós-industrial conduzida apenas pelo setor de serviços de tecnologia da informação (IT), que representa 4% do PIB. Será muito difícil dar um salto qualitativo sem o desenvolvimento rápido de um setor industrial forte e competitivo.

País em desenvolvimento, com o dobro do crescimento demográfico da China (em 25 anos sua população superará a da China), a Índia embarcou numa série de reformas estruturais visando a aumentar a taxa de crescimento econômico, reduzir as imensas diferenças regionais e realizar uma reforma política que facilite a formação de maiorias e o processo decisório.

Dentre as reformas e os programas de modernização de médio e longo prazos se destacam políticas de redistribuição de renda com vista a minorar as desigualdades individuais e regionais, ao aumento no investimento em infra-estrutura para reduzir as ineficiências e gargalos, à redução de tarifas aduaneiras ainda altas para padrões desenvolvidos (acordo de livre comércio com a China está sendo negociado), à discussão no Congresso de uma reforma tributária que reduza a evasão de impostos, diminua a proliferação confusa de tributos diretos e promova a introdução do IVA depois de quatro tentativas.

Na área industrial, as medidas tomadas recentemente pelo governo de Nova Délhi se aceleram. Inspirado no exemplo da China e no de outros países, o governo da Índia planeja permitir que os 29 Estados do país criem Zonas Econômicas Especiais que vão estender ao setor industrial as mesmas reduções tributárias e a flexibilização da legislação trabalhista que ajudaram a transformar, de forma significativa, nos últimos dez anos, o setor de IT da Índia, tornando-o competitivo internacionalmente.

A rigidez da legislação tributária e trabalhista, combinada com a deficiência na infra-estrutura, impede a Índia de melhorar sua posição no ranking de competitividade global (em 2004 caiu do 38.º para o 40.º lugar).

A Índia já se deu conta que sua projeção como potência econômica nos próximos 15 anos vai depender do esforço interno de modernização e racionalização de sua economia para se adaptar ao crescimento da economia globalizada e aproveitá-lo da melhor forma possível.

Em breve resumo, é isso o que a Índia está fazendo, com vontade política e com um projeto claro para se firmar como um país moderno e influente no cenário internacional.

É inevitável traçar um paralelo entre o Brasil e a Índia, examinando as convergências e semelhanças, assim como os desafios que enfrentarão para chegar a 2020 como potências econômicas globais. A agenda de reformas internas no Brasil não difere da que está sendo discutida na Índia.

Ao Brasil não resta alternativa senão fazer o mesmo que está sendo feito pela Índia, com a mesma determinação e vontade política. Qualquer que seja o governo do momento, medidas de médio e longo prazo deverão ser tomadas para permitir o crescimento da economia a taxas mais altas e a melhoria da competitividade, especialmente do setor industrial.

Crescimento sustentável a taxas maiores do que as atuais, definição de uma política industrial eficaz e que possa atrair investimentos e gerar empregos, implementação da Lei de Inovação, aplicação da legislação de propriedade intelectual, austeridade fiscal, redução da taxa de juros, câmbio competitivo, reforma tributária, eliminação dos gargalos na infra-estrutura, ampliação de parceria governo-setor privado são alguns dos desafios que, caso sejam superados, permitirão ao Brasil dar um salto qualitativo para ingressar no restrito grupo de elite da economia internacional.

Só assim o Brasil poderá enfrentar o desafio de chegar a 2020 como uma potência econômica. Caso não consigamos nesse período resolver todos esses desafios, estaremos fadados a continuar a ser o país do futuro. Que nunca chegará.