Título: Controle externo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2005, Notas & Informações, p. A3

Por 7 votos contra 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), prevista pela reforma judicial aprovada em dezembro último pelo Congresso com o objetivo de acabar com o nepotismo, coibir a corrupção e modernizar as estruturas administrativas dos tribunais brasileiros. O recurso foi interposto pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), para a qual a simples presença de representantes do Legislativo, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nesse órgão poria em risco a autonomia institucional do Judiciário e colidiria com o princípio da separação dos poderes. A Justiça "não pode ser independente no sentido de ser irresponsável, de não prestar contas à sociedade", afirmou o relator, ministro Cezar Peluso. "Independência absoluta existe nas funções de cada Poder, mas não acontece no seu caráter administrativo, que é o papel a ser desempenhado pelo Conselho. Este não julga coisa alguma e, por isso, não é capaz de interferir na atividade dos juízes", concluiu, após criticar a atitude corporativista de seus colegas de carreira e travar um tenso debate com os ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio Mello. "O corporativismo desprestigia a Justiça", concluiu.

A decisão do Supremo, contra a qual não cabe mais qualquer recurso, derruba em caráter definitivo todos os obstáculos judiciais que vinham impedindo a implementação das primeiras medidas destinadas a assegurar aos investidores a segurança jurídica que reivindicam, sob a forma de tribunais rápidos, eficientes e previsíveis. Com isso, o grande desafio agora é a eleição dos membros de cada uma das categorias dos profissionais do direito representadas no Conselho. Desde a aprovação da reforma judicial, apenas o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e as instâncias inferiores da Justiça Federal indicaram seus representantes.

No entanto, apesar de atrasados na escolha de seus representantes, pois estavam à espera do julgamento pelo STF da ação declaratória de inconstitucionalidade interposta pela AMB, tanto o Legislativo quanto a OAB tomaram duas providências bastante sensatas, para evitar o risco de uma eventual politização na indicação dos membros do CNJ estranhos aos quadros da magistratura. Numa iniciativa que merece aplauso, a Câmara dos Deputados e o Senado se comprometeram a optar não por parlamentares ou políticos vinculados a partidos, mas por juristas consagrados e por docentes respeitados de universidades de ponta.

Já o Conselho Federal da OAB vetou a indicação de qualquer profissional do direito que tenha deixado temporariamente a advocacia para exercer cargos comissionados em qualquer instância governamental. O objetivo dessa medida é evitar candidaturas de integrantes da máquina governamental, o que poderia comprometer a representatividade dos dois nomes a serem escolhidos para representar a classe dos advogados, no CNJ, e, com isso, criar tensão entre o Executivo federal e a cúpula da Justiça brasileira que poderia inviabilizar o controle externo previsto pela reforma judicial.

O que levou a OAB a tomar essa decisão foi o esforço do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para colocar no Conselho seu secretário extraordinário de Reforma do Judiciário, Sérgio Renault de Oliveira. Como entre os nomes dos representantes já escolhidos pelo STJ, do TST e da Justiça Federal se encontram alguns conhecidos críticos do controle externo, Bastos receia que eles possam, por meio de suas intervenções e discursos, sabotar iniciativas moralizadoras e modernizadoras do CNJ. A presença de Renault nesse órgão seria uma maneira de tentar neutralizar esse risco.

De qualquer modo, eventuais divergências sobre as competências do Conselho e o alcance de sua atuação devem ser vistas como um fato absolutamente normal. Os inevitáveis confrontos, debates e negociações entre juízes e profissionais estranhos aos quadros da magistratura que farão parte do Conselho não impedirão que essa experiência inédita na história de nosso Judiciário produza os resultados esperados. Com o sinal verde dado pelo STF para a criação do CNJ, a Justiça brasileira finalmente poderá, ainda que por meio de um processo de erro e acerto, ingressar no século 21.