Título: Irritação e impasse na visita de Lula à Nigéria
Autor: Cida Fontes
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2005, Nacional, p. A6

Quem mais se incomodou foi Furlan, por conta da falta de informações objetivas para negociar e das patrulhas de segurança, que interromperam seu deslocamento por 4 vezes A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Nigéria, a mais importante do périplo africano, carregada de boas expectativas para impulsionar os negócios bilaterais e reduzir o déficit bilateral do Brasil, terminou num impasse, em meio à falta de informações objetivas para negociar e pequenos incidentes que irritaram a comitiva brasileira. Quem mais se irritou foi justamente o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, que viajou com o objetivo de reduzir o déficit bilateral, superior aos US$ 4 bilhões em favor da Nigéria. A idéia de cortar o déficit começou a fazer água antes mesmo que as partes se sentassem à mesa de negociações. Para começar, Furlan já chegou irritado ao palácio presidencial, depois de ter sido parado quatro vezes por patrulhas de segurança no caminho. Ao chegar, teve de esperar quase duas horas pelos presidentes, que tinham uma reunião reservada à parte.

Furlan protagonizou cenas explícitas de irritação antes da reunião de trabalho dos presidentes do Brasil e da Nigéria, quando cobrou dos diplomatas brasileiros mais informações sobre as barreiras impostas pela Nigéria aos produtos brasileiros. "Senão essa reunião será inócua", desabafou. Logo viu seu interlocutor - um funcionário do ministério nigeriano homólogo. "Eu quero falar é com o ministro e não com este representante", protestou, iniciando com o nigeriano uma conversa agressiva e ao mesmo tempo pontuada por ironias.

Tudo piorou quando a delegação brasileira percebeu dois equívocos básicos. O primeiro é que não tinha informações suficientes sobre as restrições comerciais e tributárias impostas pela Nigéria aos produtos brasileiros; a segunda foi que a comitiva presidencial chegou ao país sem a presença de empresários que pudessem fechar novas operações comerciais.

Furlan tentou sanar o equívoco e começou a conversa citando cada produto e indagando se havia restrições a comprá-lo do Brasil. O funcionário nigeriano respondia às perguntas com evasivas, afirmando que alguns tinham limitações mas que tudo dependeria da competitividade. "Vocês têm preferência por alguns países? É na base do primeiro a chegar e o primeiro a servir?", cobrou Furlan.

TECNOLOGIA

O ministro pediu dados mais atualizados da tabela de importação e o representante do governo nigeriano reconheceu - os que tinha à mão eram de 2004. Furlan disparou outra ironia, afirmando que, no Brasil, pode saber horas antes o que vai acontecer; em seguida ofereceu tecnologia para atualizar os dados econômicos da Nigéria.

Ao final da reunião de trabalho, mais calmo, o ministro informou que o presidente Olusegun Obasanjo se comprometeu com o embaixador do Brasil em Abuja, Carlos Guimarães, a fornecer informações sobre as limitações e a pauta de produtos que tem interesse em comprar do Brasil, dando um empurrão nas negociações bilaterais. Como produtos que o Brasil pode vender à Nigéria, Furlan citou maquinários, tubulações, equipamentos elétricos e mecânico, caminhões, ônibus, trigo e alimentos.

Cerca de 70% das exportações do Brasil para a Nigéria este ano são de gasolina e açúcar. Embora as exportações estejam crescendo 154%, seu volume ainda está muito distante das exportações nigerianas, que, por sua vez, também estão crescendo mais de 90% este ano.

Segundo o ministro, o presidente Lula foi informado das deficiências na negociação com a Nigéria e autorizou a cessão do avião reserva da Presidência, o Boeing 737, chamado "Sucatinha", para conduzir à Nigéria uma missão empresarial brasileira. A previsão é de que a missão chegue a Abuja no início do segundo semestre deste ano.

Segundo Furlan, o presidente Lula determinou que a Petrobras estude um mecanismo de garantia para que os exportadores brasileiros possam usar os créditos que a Nigéria tem a receber com importações feitas pela empresa. Esquema semelhante, segundo ele, tem funcionado bem na Argélia: este ano o comércio cresceu 120% este ano e os argelinos abriram mercado para a carne e outros produtos.

Em 2004, o Brasil exportou um total de US$ 505 milhões para a Nigéria, mas importou US$ 3,5 bilhões, quase tudo em petróleo. Pelas estimativas da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), a Nigéria tem potencial de negócios em oito setores.