Título: Intervenção no Rio, 1 mês de emergência e longe das soluções
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2005, Nacional, p. A8

Entidades civis agora pressionam para que a prefeitura também perca a gestão da rede básica; mas nem todos os servidores estão satisfeitos Um mês após o início da intervenção federal no sistema hospitalar do Rio, as filas nos setores de emergência encurtaram, conseqüência de ações que, segundo o Ministério da Saúde, consumiram até quinta-feira R$ 25 milhões - aplicados em manutenção de equipamentos, compra emergencial de medicamentos e insumos, contratação temporária de profissionais, entre outras medidas. Mas a resposta positiva está longe de significar o fim de uma operação de urgência. Entidades civis agora fazem pressão para que a prefeitura perca também a gestão da rede básica, e há especialistas que defendem até a reestruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), partindo de experiência piloto no Rio. Diretor de Atenção Especializada do ministério, Arthur Chioro confessa que não vê a hora de voltar para casa, em Brasília, mas deixa claro que, até lá, ainda há muito o que fazer e nem arrisca data para o término da intervenção. "É impossível uma solução em clima de confronto", diz, em referência às disputas entre o governo municipal e o federal. Nos últimos 30 dias, as divergências resultaram em mais de 10 ações na Justiça, por exemplo, pela recusa do prefeito do Rio, Cesar Maia, em ceder espaço para a instalação dos hospitais de campanha.

Chioro classifica como "extremamente satisfatória" a atuação do governo federal nos seis maiores hospitais do Rio - Andaraí, Miguel Couto, Souza Aguiar, Ipanema, Cardoso Fontes e Lagoa. E filosofa: "A palavra crise, em chinês, significa perigo e oportunidade. Superamos a etapa do perigo e agora estamos entrando na fase da oportunidade." Até três dias atrás, o balanço das ações contabilizava contratação de 650 profissionais, compra de 20 toneladas de medicamentos e 503 itens médico-hospitalares, disposição de 294 leitos, aluguel de 37 equipamentos, 1 mutirão de cirurgias ortopédicas e a abertura de 15 vagas para hemodiálise, além do funcionamento dos 2 hospitais sob responsabilidade da Marinha e da Aeronáutica.

Ainda assim, a atuação do governo federal tem gerado queixas. Tanto que, amanhã, servidores descontentes participarão de reunião no hospital Souza Aguiar, no centro, onde funciona a maior emergência da América Latina. "Só temos um aparelho de raio X. Os outros estão quebrados. A confusão ainda é grande", diz um médico que pediu anonimato. Ele não quer, porém, que a unidade volte para as mãos do município, como deseja o prefeito.

Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze também defende uma intervenção prolongada, mas considera que é preciso aparar as arestas. "Eles estão com dificuldade de convocar os concursados, já que muitos estão fazendo outra coisa, pois cansaram de esperar para ocupar uma vaga. Ninguém quer trocar o que é certo por algo temporário", observa, reclamando também da demora para o início das mudanças na rede básica.

Embora tenha dito inúmeras vezes que o problema do sistema hospitalar do município é reflexo da deficiência na atenção primária, formada por postos de atendimento e pelo Programa de Saúde da Família (PSF), Chioro afirma que o governo federal não vai assumir também a administração da rede básica. "Se o município não cuidar disso, vai fazer o quê?", pergunta. Se tiver de mudar de mãos, diz ele, vai para a Secretária de Saúde do Estado, que assumiu a gestão do SUS, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter decretado estado de calamidade pública no sistema hospitalar do Rio.

O presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado Paulo Pinheiro (PT) acredita que é preciso uma ação mais severa para tornar eficaz o atendimento na rede básica. Segundo ele, além de postos médicos deficientes, apenas 3,3% dos 6 milhões de habitantes do município são assistidos pelo PSF. Entre as grandes cidades, é uma das piores coberturas do País. A meta que a prefeitura firmou com o ministério, em março de 2003, no início do Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família (Proesf), era de 15% até o fim deste ano e 30% em 2007. Por isso, o município deixou de receber, só em 2004, mais de R$ 2 milhões em incentivos federais. "Se não houver mudança na rede básica, vamos ficar enxugando gelo ", diz Pinheiro.