Título: A energia nuclear é verde
Autor: Nicholas D. Kristof
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2005, Nacional, p. A8

Se houve algo que era transparente como cristal para qualquer ambientalista era o fato de que a energia nuclear era a ameaça mais mortífera que este planeta enfrentou. Foi por isso que Dick Gregory prometeu, numa enorme manifestação antinuclear em 1979, que ele não comeria nada sólido até que todas as usinas nucleares nos Estados Unidos fossem fechadas. O sr. Gregory deve estar ficando faminto.

Mas está na hora de o restante de nós abandonar esta hostilidade contra a energia nuclear. Está cada vez mais claro que a maior ameaça ambiental que enfrentamos é o aquecimento global e isso nos leva a um corolário: a energia nuclear é verde.

Contrastando com outras fontes, a energia nuclear não produz gases de efeito estufa. Portanto, a política ambiental no geral do presidente Bush me dá arrepios, mas ele está certo na sua determinação de favorecer a energia nuclear. Desde 1973, que não tem havido nenhum pedido bem-sucedido para novas usinas nucleares, mas várias propostas para novas usinas estão avançando - e isso é bom para o mundo em que vivemos.

A demanda global por energia aumentará 60% nos próximos 25 anos, segundo a Agência Internacional de Energia, e a energia nuclear é a mais limpa e a melhor para preencher esta lacuna.

A energia solar é uma decepção e responde por apenas um quinto de 1% da eletricidade da nação e custa cerca de cinco vezes o valor de outras fontes. A energia eólica é promissora, pois seu custo caiu 80%, porém sofre de um grande problema: o vento não sopra o tempo todo. É difícil depender de uma fonte que vem e vai.

Em contraposição, a energia nuclear já compõe 20% da energia dos Estados Unidos sem mencionar os 75% da França.

Um plano energético sensato precisa incentivar a conservação - muito mais que os projetos de Bush fazem - e promover coisas como veículos híbridos e células de combustível de hidrogênio. Mas, por enquanto, a energia nuclear é a única fonte que não contribui para o aquecimento global e pode rapidamente se tornar um esteio da grade elétrica.

Elas são seguras? Não totalmente. Three Miles Island e Chernobyl provaram isso, e há também o risco de ataques por terroristas.

O mundo tem agora uma experiência de meio século com usinas de energia nuclear, 440 delas em todo o mundo e elas têm provado ser mais seguras do que as alternativas. A maior fonte de energia dos EUA agora é o carvão, que mata cerca de 25 mil pessoas por ano por causa da fuligem que fica no ar. Colocando as coisas de outra forma, a energia nuclear parece muito mais segura que a nossa dependência do carvão, que mata mais de 60 pessoas por dia.

Além disso, a tecnologia nuclear ficou muito mais segura com o decorrer do tempo. O futuro talvez pertença aos reatores com leito de cascalho, um novo design que promete ser ao mesmo tempo altamente eficiente e incapaz de derreter.

O lixo radioativo é um desafio. Mas sobrecarregar as futuras gerações com lixo nuclear em poços profundos provavelmente é mais razoável do que onerá-los com um mundo mais quente no qual Manhattan fique submersa debaixo de 600 metros de água.

No momento, a única fonte significativa de eletricidade nos EUA que não envolve a emissão de carbono é a força hidráulica. Mas as descidas de salmões diminuíram tanto que devíamos rebentar as represas e não fazer outras.

O que matou a energia nuclear no passado foi a economia desaquecida. Estudos feitos pelo MIT e noutros lugares mostram que a energia nuclear ainda é um pouco mais cara do que novas usinas de carvão e gás natural, mas pode ficar no mesmo patamar se os preços dos combustíveis fósseis subirem. E, se for imposto tributo de US$ 200 para cada tonelada de emissões de carbono, a energia nuclear ficará mais barata que o carvão proveniente de novas usinas.

Portanto, está na hora de dar boas-vindas à energia nuclear como verde (embora não a subsidiando com doações como a indústria nuclear gostaria). De fato, alguns ambientalistas ainda estão entrando nesse barco. Por exemplo, a Comissão Nacional sobre Política Energética, uma entidade com recursos particulares que agrupa ambientalistas, acadêmicos e representantes da indústria, emitiu um relatório em dezembro favorável a novas usinas nucleares.

Um dos mais eloqüentes defensores da energia nuclear é James Lovelock, o cientista britânico que criou a hipótese Gaia, que sustenta que a Terra é, de fato, um organismos que se auto-regula.

"Sou um Verde e suplico a meus amigos do movimento para abandonarem sua objeção equivocada à energia nuclear", escreveu Lovelock na semana passada. "A cada ano que continuamos queimando carbono tornamos as coisas piores para nossos descendentes (...) Existe somente uma fonte imediatamente disponível que não provoca aquecimento global e essa fonte é a energia nuclear".

* Nicholas D. Kristof escreve no 'New York Times'