Título: Na raiz, ambição de hegemonia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2005, Internacional, p. A14

PARIS-Com o beneplácito do regime chinês, as manifestações populares contra o Japão, culpado de silenciar sobre danos causados à China em 1937 (massacre de Nanquim) e de reverenciar, por seu primeiro-ministro, o santuário de Yasukuhi, onde são dignificados criminosos de guerra, seriam uma querela sino-japonesa. Certo. Mas a virulência dos chineses contra o Japão se explica também por problemas que dizem respeito à diplomacia mundial. Pequim está decidida a se apresentar como a única potência asiática do século. Nessa óptica, detestaria que Tóquio obtivesse a cadeira permanente que almeja no Conselho de Segurança.

E, sem dúvida, os chineses não esquecem que Washington elaborou com Tóquio um dispositivo militar para conter as veleidades expansionistas chinesas.

Fora isso, o mundo vai ter de se acostumar: a China está se tornando um dos principais atores da história desta época. Não só por causa de sua enorme população, de seu poderio econômico vertiginoso, mas também porque, sem abandonar a vulgata marxista, ela se converteu à economia de mercado, o que lhe permite tecer laços estreitos com os sistemas ocidentais e interferir neles.

No momento, a China sacode as estratégias do Ocidente em outras duas áreas pelo menos: o setor têxtil e o setor de vendas de armas. Essas ações parecem díspares, mas a finalidade é a mesma: talhar para a China, seja na ordem política, econômica ou estratégica, um lugar digno de seu grande império.

O têxtil: alguns anos atrás, a China conseguiu que levantassem as barreiras aduaneiras que freavam as importações de têxteis chineses pelos países da OMC. A Europa havia aceitado essa mudança. Assim, desde 1.º de janeiro os têxteis chineses afluem à Europa e ocorre uma débacle das empresas têxteis européias.

O embargo de armas: os EUA são contrários. A Europa, favorável, esperava que a retomada das trocas militares daria uma cutucada no comércio civil que poderia registrar progressos fulgurantes. Paris acha, por exemplo, que a China poderá encomendar uma vasta frota de Airbus para os Jogos Olímpicos de 2008. Mas com o endurecimento dos EUA, alguns países já hesitam, como Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Irlanda, República Tcheca, Polônia e Holanda, talvez até a Alemanha.