Título: Participação do cardeal revolta vítimas de abuso
Autor: Expedito Filho e Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2005, Vida&, p. A17

"Foi triste ver alguém como ele em um lugar tão sagrado",disse a advogada Barbara Blaine, em entrevista ao Estado A missa presidida ontem pelo cardeal americano Bernard Law revoltou as vítimas de abusos sexuais nos EUA. Duas dessas vítimas decidiram ir ao Vaticano para um protesto simbólico e contaram que esses abusos ocorrem até mesmo no Brasil. Com 48 anos, a advogada Barbara Blaine é presidente do movimento contra os abusos e levou fotos dos padres que cometeram o crime contra ela na cidade de Toledo, em Ohio. Na sua opinião, a Igreja esta "esfregando sal numa ferida aberta" ao convidar Law para celebrar a missa de ontem. As ativistas distribuíram folhetos e pediram aos cardeais americanos que impedissem a missa, mas seus argumentos não foram ouvidos. Outra ativista, Barbara Dorris, lembrou de casos de abuso de crianças por padres em São Paulo, mas não soube confirmá-los. "Há muitos abusos na América Latina", disse Dorris, que foi violada quando tinha apenas 6 anos. "O padre me disse que eu era muito levada e que Deus o havia enviado para acertar essa questão", afirmou.

Eis os principais trechos da entrevista feita com Barbara Blaine.

Como a sra. se sentiu ao ver o cardeal Law celebrando uma missa no Vaticano em homenagem ao papa João Paulo II?

Foi triste ver alguém como ele em um lugar tão sagrado. Viemos para homenagear o papa. Mas é vergonhoso ver o cardeal Law celebrando uma missa no Vaticano. Ele não pode mais ocupar essa posição de proeminência.

O que esperam do próximo papa?

Esperamos que ele siga João Paulo II, que disse que não há lugar na Igreja para aqueles que abusam sexualmente de crianças. Esperamos que o próximo papa estabeleça novo patamar e que nenhum padre seja aceito em nenhuma paróquia ou igreja do mundo se houver cometido algum crime contra crianças. Hoje, nos EUA, há muitos condenados e que continuam sendo padres. Não sei por que a Igreja gasta tanta energia em proteger os violadores, ao invés de se preocupar com a comunidade. Nós fomos estupradas pelos padres e existem muitos que sofrem ainda em silêncio. Esperamos que uma nova era comece. Esperamos que nossa presença possa ajudar a levantar o debate sobre os abusos cometidos contra crianças pelos padres.

Diante de toda essa situação, como a senhora avalia sua fé?

Sou católica e sei que padres tiraram muito da minha fé, mas não podem tirar minha religião. Esperamos poder evitar novos sofrimentos. Nós já somos 5.600 membros da Rede de Sobreviventes de Abusos de Padres. Há 20 anos contei essa história e só há três semanas o bispo de Toledo, em Ohio (EUA), veio me dizer que de fato o padre que me molestou era culpado.

Mas não é inadequado um protesto agora?

Nós não poderíamos ficar calados. Esperamos chamar a atenção do mundo para o problema, que não é só dos EUA. Esperamos que as vítimas possam denunciar os abusos. Ele, o Law, é o garoto-propaganda do abuso de crianças. Ele deveria ficar em um local menos evidente, mas ele nunca sofreu qualquer punição. Quando sofri o abuso, eu tinha apenas 12 anos.