Título: Protesto contra cardeal dos EUA
Autor: Expedito Filho e Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2005, Vida&, p. A17
D. Cláudio, d. José e d. Eusébio e diversos outros cardeais não foram à missa celebrada por Bernard Law; americanas se manifestaram
O cardeal brasileiro d. Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, não compareceu ontem à missa na Basílica de São Pedro em luto pelo papa João Paulo II, celebrada pelo americano Bernard Law, ex-arcebispo de Boston, acusado de acobertar padres que cometeram abusos contra crianças nos Estados Unidos. D. Cláudio, apontado como um dos favoritos na sucessão como chefe da Igreja Católica Romana, permaneceu no Colégio Pio Brasileiro, onde também estavam os cardeais d. José Freire Falcão e d. Eusébio Scheid.
Enquanto Law fazia da sua homilia uma homenagem ao padre Stanislaw, secretário particular do papa morto - uma vez que ontem era dia do santo do mesmo nome -, o brasileiro passou a tarde rezando e lendo alguns documentos preparatórios para o próximo conclave, que escolherá o novo papa.
Dos quatro cardeais brasileiros presentes em Roma para a reunião, apenas d. Geraldo Majella, arcebispo de Salvador, prestigiou a missa do americano.
O comparecimento dos demais cardeais foi restrito. Mais de cem cadeiras reservadas a religiosos e autoridades ficaram vazias. Contudo, não houve uma manifestação na Praça de São Pedro contra Law, como era previsto. Ao contrário: os fiéis o aplaudiram no fim da homenagem ao ex-secretário do papa. Apenas duas mulheres, vítimas quando menores de padres pedófilos e atualmente líderes do movimento americano contra abusos cometidos por representantes da Igreja, protestaram contra a escalação de Law.
Cercada de expectativa, em uma basílica lotada, Law iniciou a missa. Nunca o ato penitencial, aquele em começa a cerimônia com a confissão dos pecados, foi tão adequado a um religioso como ontem. "Pequei, por minha culpa, minha máxima culpa", disse para uma audiência absolutamente silenciosa.
A expiação do americano é vista como bom sinal pelos vaticanistas. A atitude condescendente se tornou um padrão de como um chefe da Igreja, seja pároco, bispo ou cardeal, não deve proceder. O novo papa deverá agir com menos piedade e mais rigor em relação a crimes cometidos por religiosos.
RESPONSÁVEL
Para os religiosos brasileiros, o americano - embora não tenha praticado atos de pedofilia - seria um responsável indireto pela perpetuação dos crimes, já que os abusos ocorreram em sua diocese com seu conhecimento. Eles preferiram não relacionar a ausência de d. Cláudio a um gesto político contra o acobertamento da prática. Law, dizem, é hoje considerado um cardeal sem poder, após perder seu posto.
D. Cláudio já confirmou sua presença na missa de hoje, que será celebrada pelo ex-arcebispo do Rio, o cardeal d. Eugenio Salles. Com mais de 80 anos, d. Eugenio não pode votar no Colégio de Cardeais no conclave, mas apóia a decisão do Vaticano de decretar silêncio em relação ao futuro da Igreja e a escolha do próximo papa. "Essas regras pretendem evitar pressões políticas e da opinião pública", afirmou.
Seu apoio seria importante para que d. Cláudio somasse a ala direita da Igreja à sua candidatura. Os dois se posicionaram de forma oposta durante a ditadura militar no Brasil: d. Eugenio aprovava o regime e d. Cláudio ficou ao lado do movimento operário na arquidiocese de Santo André.