Título: Abbott produzirá medicamento para aids no Rio
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2005, Vida &, p. A16

Às vésperas de o governo anunciar se declara licença compulsória ou retoma as negociações da licença voluntária de três medicamentos usados no tratamento de aids, uma das indústrias envolvidas, a Abbott, dá uma nova cartada. Ela anunciou que produzirá em sua fábrica do Rio o lopinavir/ritonavir, justamente o medicamento sob risco de ter a patente quebrada. O investimento seria de US$ 27 milhões até 2007. Há um mês, o ministro da Saúde, Humberto Costa, enviou carta a três fabricantes de anti-retrovirais questionando o interesse em negociar a licença voluntária de seus medicamentos, os mais caros do coquetel. Na licença voluntária, a empresa abre mão da patente, mediante o pagamento de quantia previamente acertada e algumas condições técnicas. Na época, Costa disse que, conforme a resposta, poderia recorrer à licença compulsória - nesse caso, as empresas recebem uma porcentagem pelos royalties. Abbott, Merck Sharp Dhome e Gilead Science já apresentaram suas respostas. A Abbott não aceita negociar.

"Foi uma coincidência. Há mais de seis meses trabalhamos no projeto da produção nacional", afirmou o gerente-geral da Abbott no Brasil, Santiago Luque. Ele diz ter ficado surpreso com o ultimato do governo. "Já havíamos apresentado o projeto para produção do Kaletra (nome comercial) no Brasil para vários setores do governo." Um argumento frisado na carta-resposta da Abbott ao ministério. Luque garante que a produção no País traria vários benefícios, como aumento da arrecadação de impostos e redução do déficit comercial. Isso porque, em vez de importador, o Brasil se tornaria exportador do remédio. Pelas contas da Abbott, a produção nacional do lopinavir traria US$ 150 milhões para a balança. "Todos esses benefícios poderiam ser revertidos para o tratamento de pacientes."

Pelo cronograma da empresa, em 2006 o País passaria a embalar o remédio e no início de 2007 a fabricá-lo. Luque afirmou que, se a licença compulsória for decretada, o projeto será reavaliado.

Para especialistas na área, a oferta da produção local do lopinavir é mais do que uma chantagem. Pode representar uma boa dor de cabeça para o governo caso haja, de fato, a quebra de patente, pois esvaziaria o argumento de interesse público. Eles acreditam que o governo terá de fazer uma negociação rápida com as empresas sobre a licença voluntária. Estrategicamente, dizem, a carta do ministério foi um erro, pois deu munição aos fabricantes. A exemplo da Abbott, a Merck tem argumento para contestar a quebra de patente: há um ano, negocia a possibilidade de conceder voluntariamente a patente de seu remédio, o Efavirenz.

O secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa, afirmou que a idéia da Abbott é boa, mas não pode ser misturada à discussão sobre licença voluntária. "É mudar de assunto. O que nos interessa é a queda do preço. A previsão é de que o consumo do Kaletra aumente nos próximos anos e não teríamos como arcar com esse custo." Ele admite que a fabricação no País pode melhorar a arrecadação de impostos, mas isso não significa que o dinheiro irá todo para a saúde. "Não é assim que funciona."