Título: O terceiro erro?
Autor: Dionísio Dias Carneiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2005, Economia, p. B3

A exemplo do que têm feito outros partidos, preparando-se para a temporada eleitoral de 2006, o PT procura ajustar o discurso partidário. O chamado campo majoritário reuniu-se no fim da semana passada para afinar o tom das promessas para o futuro, ajustar as críticas a serem feitas aos governos anteriores, sintonizar-se aos novos tempos e aos novos aliados, além de interpretar a postura corrente à luz de uma possível coerência do partido. Talvez a diferença mais importante entre o PT que se preparou para os últimos anos e o PT que se prepara para o palanque de 2006 é que, agora, o partido tem um projeto de poder de longo prazo. Mas não tem uma agenda econômica explícita. Antes, tinha uma agenda explícita, porém incompatível com um projeto de poder no mundo contemporâneo, depois do fracasso do socialismo real.

Os atuais dirigentes do PT transformaram um partido eficaz de oposição num partido que pode governar, pois foram capazes de corrigir dois erros importantes. O primeiro foi a providencial "Carta aos Brasileiros". Em 2002, foi reparada uma idéia errada de seus economistas: o Brasil só sairia da crise de confiança (justificando a desconfiança dos financiadores privados) por um calote. Parecia lógico a muitos economistas (até de fora do País) que o próprio retraimento dos financiadores justificaria a suspensão de pagamentos. Os atuais dirigentes apoiaram o acordo com o FMI, honraram compromissos e, hoje, colhem os frutos: encerrado o episódio de emergência, o País tem mais financiamento do que necessita para fechar suas contas e discute o tamanho das reservas que deve ter. O futuro das contas externas e do crescimento depende, cada vez menos, do humor dos credores e da coragem dos especuladores.

O segundo erro foi corrigido em 2004. Quando muitos esperavam que as conveniências políticas determinassem o fim da política fiscal voltada para limitar a dívida pública, houve um aumento da meta de superávit primário. Em plena campanha eleitoral, os atuais dirigentes corrigiram a impressão difundida por vários economistas, que empolgava o pensamento econômico do partido, de que, passada a emergência e recuperadas as contas externas sem explosão inflacionária (apregoada como ilusão neoliberal), o governo iria aumentar as despesas. A "prioridade para o social" parecia uma chave para abrir o cofre do Tesouro e o coração dos eleitores. Corrigido esse erro, aplainaram-se as expectativas de que o ciclo político de curta duração predominasse na determinação da política macroeconômica. O País assistiu a uma retomada vigorosa da confiança e dos investimentos. Beneficia-se, também, da superabundância de liquidez mundial, em conseqüência da política expansionista praticada pelos EUA e por vários países, cuja importância tem aumentado na economia mundial.

Tendo corrigido esses dois erros e consolidado sua capacidade de governar, por ter-se mostrado capaz de aprender, o PT enfrenta mais um desafio para disputar, no terreno das idéias factíveis e não das utopias vencidas, a preferência dos eleitores em 2005. Trata-se de remover a idéia de que o caminho para o desenvolvimento econômico requer o aumento da despesa pública. Esta é uma questão que está presente na retórica da "retomada de políticas monetárias e fiscais voltadas para o desenvolvimento econômico". Apesar dos esforços para abandonar a agenda de embromação das "propostas alternativas", não falta quem sublinhe o caráter provisório do que foi feito até agora para conter o endividamento interno explosivo. Como corrigir esse terceiro erro? Há um atraente enredo de ficção do qual o PT no governo a tanto custo tenta desvencilhar-se, mas isso é ainda mais difícil do que foi corrigir os outros dois. Isso porque ele reflete uma visão superada acerca do papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômico, que está enraizada nas idéias políticas dominantes no Brasil e não apenas no PT. Há até pouco tempo também dominava essa retórica política na maioria dos países. É muito otimismo esperar que se dê algum salto qualitativo nessa matéria. É difícil, pois, evitar que a próxima campanha eleitoral seja acompanhada por nova onda de desconfiança na coerência fiscal e monetária.

O chamado Campo Majoritário do PT talvez não seja, assim, tão representante da maioria quanto se intitula. Se estivermos certos nesse diagnóstico, há duas más notícias para a política de curto prazo: precisamos de reservas maiores e de confiança de que o governo está preparado para resistir ao aumento de inflação que estamos vivendo, que não parece ser um mero surto autocorretivo.

*Dionísio Dias Carneiro, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio,

é diretor do Instituto

de Estudos de Política

Econômica (Iepe/CDG)