Título: Argentina é sócia e não vai só dizer sim, diz secretário
Autor: Ariel Palacios e Lorena Schuchmann
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2005, Nacional, p. A6

Subsecretário de Integração argentino diz que recuperação do Brasil não pode ocorrer à custa do desenvolvimento de seu país

A expressão "sim, Brasil" não será dita com freqüência pelo presidente argentino, Néstor Kirchner. Um dos principais negociadores argentinos para o Mercosul, o subsecretário de Integração Econômica, Eduardo Sigal, avisou ontem que a relação da Argentina com seu vizinho deve ser "de sócios" e não "um contrato de adesão". "O governo argentino está de acordo em ser sócio. Mas não está de acordo em dizer 'sim, Brasil' a tudo o que projetar ou estabelecer esse país", disse, em entrevista ao programa Asteriscos, do canal P&E. "O Brasil está se recuperando, mas não queremos que isso ocorra à custa do desenvolvimento da Argentina", acrescentou Sigal. Segundo ele, "ninguém discute" a intenção do Brasil de ter "uma política de projeção continental e mundial", mas "isso não pode ser grátis". Ele acrescentou que a aspiração da Argentina é "ter um papel destacado no cenário mundial".

Desde segunda-feira o governo Kirchner entrou em rota de colisão - mais uma vez - com o de Lula. Kirchner se decidiu por uma política de endurecimento e está exigindo que o Brasil faça uma série de concessões comerciais, focalizadas na adoção de um sistema de salvaguardas, que lhe permitiria aplicar medidas protecionistas contra produtos brasileiros.

Para mostrar a irritação com Lula, a Casa Rosada informou que a presença de Kirchner na cúpula dos países sul-americanos e árabes "está na agenda, mas não confirmada". Razões para a exasperação vêm da crescente liderança do Brasil na região, seu papel crucial na crise equatoriana, e o fato de que a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, esteve no Brasil, mas ignorou a Argentina. Declarações de ontem do embaixador dos EUA no Brasil, John Danilovich, não ajudaram a amenizar o clima. Em Porto Alegre, Danilovich disse que "a liderança do Brasil é um fato, uma realidade na região e no mundo". Ele ressalvou que apenas "ouviu falar" do atrito da Argentina com o Brasil.

Mais tarde, o secretário da Indústria e Comércio da Argentina, Miguel Peirano, intensificou o clima de atrito. Enquanto o governo brasileiro emitia sinais de apaziguamento, Peirano repetiu que pode aplicar "medidas unilaterais" para limitar a entrada de produtos brasileiros no mercado argentino.

BATMAN E ROBIN

Nos últimos anos, o declínio econômico da Argentina se acentuou e o país isolou-se politicamente. A atitude agressiva de Kirchner com presidentes vizinhos e o pouco interesse nas cúpulas da região, levaram o país de protagonista a espectador. Um ex-vice-chanceler argentino usa séries de TV para ironizar a situação: "A Argentina teria de aceitar que a relação com o Brasil não é mais como o Gordo e o Magro, que tinham um protagonismo fifty-fifty. As coisas mudaram. Agora o Brasil é Batman. E a Argentina é o Robin..."

ELEIÇÕES

A rusga com o Brasil também tem uma faceta eleitoral: mostrar-se duro com o maior sócio do Mercosul atrai votos dos setores mais nacionalistas. Kirchner está particularmente interessado nesse grupo, já que em outubro seu governo enfrentará decisivas eleições parlamentares. Se vencer, ele pode aspirar a tentar a reeleição em 2007.

Kirchner também quer o chanceler Rafael Bielsa eleito deputado em Buenos Aires, onde sua popularidade não é tão significativa. Mas para conquistar o eleitorado portenho, Bielsa precisa ser mais popular, algo que a briga com o Brasil pode proporcionar.