Título: D. Cláudio Hummes aos eleitores: Igreja deve ser menos centralizada
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2005, Vida&, p. A24

Cotado para ser papa, ele pediu a palavra na reunião da Congregação dos Cardeais para expor suas idéias sobre o futuro da Igreja CIDADE DO VATICANO - O arcebispo de São Paulo, d. Cláudio Hummes, apresentou ontem ao governo transitório do Vaticano algumas de suas idéias para o futuro da Igreja e defendeu a maior descentralização da tomada de decisões. D. Cláudio é cotado como um dos possíveis nomes para substituir o papa João Paulo II, morto no dia 2. Ontem, durante a reunião da Congregação de Cardeais, o brasileiro pediu a palavra para expor suas teses pela primeira vez. Outros debates, como o da pobreza e da situação da Igreja no Brasil, também foram realizados durante a reunião entre 138 cardeais. O cardeal de Salvador, d. Geraldo Majella Agnelo, foi outro que também falou na sede da Sante Sé.

Na segunda-feira, os "príncipes do Vaticano" iniciam o conclave que definirá o novo papa. Mas em um processo no qual não há, teoricamente, candidatos, campanhas eleitorais e programas de governo, as reuniões que precedem o conclave se tornaram verdadeiras prévias das eleições e palanque de eventuais candidatos.

A idéia do Vaticano foi a de deixar que os cardeais primeiro discutissem quais são os principais desafios da Igreja no futuro para só então passar a debater, a partir da semana que vem, nomes de cardeais que poderiam preencher essas necessidades. Temas como bioética, aborto, perda de fiéis em algumas regiões e mesmo a política internacional já foram alvos de debate.

Para observadores em Roma ouvidos pelo Estado, a intervenção de d. Cláudio, portanto, não poderia ser vista de outra forma a não ser como uma declaração do que pensa que deve ser o caminho da Igreja. Isso fica ainda mais claro diante do fato de que nem todos os cardeais pediram a palavra para expor suas idéias.

Segundo pessoas que estiveram na reunião, d. Cláudio fez uma defesa do princípio da colegialidade, ou seja, da divisão de tarefas e poderes entre a cúpula de Vaticano e as várias dioceses da Igreja no mundo. Cardeais mais conservadores considerados "papáveis", como o alemão Joseph Ratzinger, seriam mais céticos em relação a essa idéia, embora reconheçam sua importância.

Procurado pelo Estado, o cardeal afirmou que não poderia fazer nenhum comentário, já que uma lei do silêncio foi estabelecida entre os religiosos durante esse período de transição. Já recuperado da gripe, d. Cláudio chegou a participar ontem de um jantar promovido para os cardeais pela Embaixada do Brasil na Santa Sé.

POBREZA

Entre os brasileiros, d. Cláudio não foi o único a falar ontem perante os demais cardeais. D. Geraldo Majella Angelo também interveio nos debates, mas optou por um discurso mais social e voltado para temas como o combate à pobreza. "Não me referi apenas ao Brasil, mas a toda uma situação internacional", contou.

"A pobreza é um tema que afeta a América Latina e o Brasil, mas também nos preocupa em outras partes do mundo. A Igreja não pode mais ignorar isso", afirmou, por sua vez, um cardeal português ao deixar a reunião. Outros ainda apontam a falta de um tratamento adequado a essas questões como o motivo do crescimento das igrejas evangélicas na America Latina nos últimos anos.

O cardeal chileno Francisco Javier Errázuriz foi outro que falou nesta semana sobre a situação da região latino-americana, que perde por ano 1% de seus fiéis católicos para outras religiões. Depois de sua intervenção, Errázuriz, de 71 anos, começou a ser visto pelos vaticanistas dos jornais italianos como um eventual candidato ao trono de Pedro.

Em meio a todos esses debates, os cardeais ouviram um alerta feito pelo padre franciscano Raniero Cantalamessa. Segundo ele, os cardeais não poderiam pôr suas ambições pessoais em grau superior ao futuro da Igreja ao se apresentarem como candidatos na semana que vem. Seu alerta veio em forma de meditação, a primeira realizada antes do conclave. "Sejam guiados pelo Espírito Santo. Não sejam ambiciosos ou tentados a se promover", avisou o padre. Segundo os jornais italianos, o texto da meditação só não foi divulgado pela oposição de Joseph Ratzinger. A segunda meditação será na segunda-feira.

Ontem, os funcionários do Vaticano foram obrigados a jurar que não diriam nada do que escutarão a partir de segunda-feira. Hoje ainda ocorre a última reunião do período pré-conclave, mas amanhã os cardeais serão convidados a entrar na Casa de Santa Marta, dentro do Vaticano, de onde só sairão com o nome de um novo papa.