Título: De Pompéia a Jucá
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Editoriais, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva condicionou a permanência do ministro da Previdência, senador Romero Jucá (PMDB-RR), submetido a uma saraivada de denúncias, a uma defesa consistente dele e de seu partido, cultivadíssimo aliado do governo, empenhado em facilitar a reeleição de seu chefe. Recentemente, nossa colunista Dora Kramer advertiu que cabe ao PMDB defender seu militante, mas cabe ao chefe do governo cobrar dos membros de seu Ministério a lisura de seu comportamento na gestão da pasta que lhes couber. Para tanto, Sua Excelência dispõe de um cabedal de informações que o torna capacitado a conhecer em detalhes a vida de quaisquer indicados a compor sua equipe, como acabam de lembrar em ocasiões e lugares diferentes dois antípodas ideológicos: a senadora esquerdista Heloísa Helena (PSOL-AL) e o ex-deputado liberal João Mellão Neto. Na tribuna do Senado, a parlamentar expulsa do PT por rebeldia recordou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem poderes para investigar a vida de quaisquer cidadãos, ouvindo muitas vezes até suas conversas ao telefone, mantendo assim o presidente, a quem é subordinada, bem informado. O colaborador do Estado contou no artigo Até já, Jucá (pág. A2, 10/4/2005) ter sido entrevistado por Jorge Bornhausen, então chefe da Casa Civil de Fernando Collor, antes de ser convidado pelo ex-presidente para o Ministério do Trabalho. "Ele tinha em mãos um volumoso documento, meticulosamente preparado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, antecessora do atual Gabinete de Segurança Institucional. O assunto daquele relatório, disse-me o ministro, era a minha pessoa. Fiquei impressionado com o grau de profundidade daquele trabalho. O governo sabia tudo sobre mim e sobre a minha vida pregressa", escreveu ele.

É, no mínimo, muito pouco provável que a Abin e seu superior hierárquico, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix, não tivessem conhecimento, antes da nomeação de Jucá, das denúncias que, nos primeiros dias de sua gestão ministerial, têm recebido destaque nos meios de comunicação e nas tribunas do Parlamento. Elas vão de forjar garantias reais (listando fazendas inexistentes) para tomar empréstimos em bancos públicos até comprar votos, entre muitas outras, de várias naturezas. Assim sendo, não é de crer que o presidente o tenha nomeado sem nada saber delas.

Conforme lembrou Mellão no artigo, Jucá começou sua carreira política na presidência da Funai e foi, depois, nomeado governador do então Território de Roraima (hoje Estado). "O menos que se diz trata de supostas relações duvidosas com garimpeiros, madeireiros e contrabandistas. Nada se provou, é verdade, mas o fato é que, ao término de seu mandato, o governador, de origem humilde, se tornara um homem muito rico", registrou o articulista. Ele ocupou sucessivos mandatos parlamentares e seu patrimônio cresceu em tal velocidade que isso dificilmente teria passado despercebido por órgãos federais, tais como a citada Abin e a Receita.

Pode até ser natural que o presidente se sentisse inclinado a ouvir com desvelo os elogios às qualidades de executivo bem-sucedido e político capaz de servir a governos de posições antagônicas tecidos ao pé de seu ouvido por um ilustre aliado peemedebista, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL). Isso, contudo, nunca o eximiu, sendo ele, como é, fiel depositário da delegação popular na gestão dos negócios republicanos (como adoram declinar os petistas de escol), de pôr seus informantes em campo para lhe levar informações menos parciais a respeito do desempenho de um político que vai nomear ministro, cuja desenvoltura, às vezes tida como pouco ortodoxa, nunca foi propriamente desconhecida entre seus pares.

Em defesa do ilustre senador e ministro Romero Jucá, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, já teve recentemente de apelar para o velho princípio de justiça segundo o qual a dúvida sempre deve favorecer o réu. O princípio vale para garantir o direito inegável de defesa que o cidadão Romero Jucá tem para responder na Justiça pelas acusações de que é alvo. Para a gestão republicana, contudo, vale outro princípio, também dos romanos, aquele que levou Júlio César a se divorciar da esposa, Pompéia: a um escolhido para ministro, como à mulher de César, não se deve exigir apenas que seja honesto. É preciso também parecer que é. E, quando isso não for possível, com atestado de antecedentes, provar que é.